AFISCOM

A EQÜIDADE E O PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE DOS RECURSOS


É necessário advertir, preliminarmente, que a abordagem dos temas não tem a pretenção de esgotá-los, nem mesmo focalizá-los sob as diversas perspectivas que são oferecidas pelo plano jus-filosófico, mas antes fornecer uma visão geral da doutrina da interpretação e hemeneutica do sistema jurídico aplicada sobretudo no Direito Tributário e particularmente no Tribunal de Impostos e Taxas.

De fato, uma análise completa dos temas propostos, sobretudo com relação a equidade demandária um profundo estudo, sobretudo relativo à própria conceituação do sistema de direito, com seus problemas de completudo e vaguidade.

A EQÜIDADE

INTRODUÇÃO - EVOLUÇÃO, CONCEITO E FORMAS

Hodiernamente, este princípio atingiu todos os povos civilizados e, no Brasil, foi adotado na Lei de Introdução ao Código Civil. (artigos 4º e 5º do Decreto-lei no. 4.567, de 04/09/1.949):

"Artigo 4º - Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito."

"Artigo 5º - Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum."

Desse modo, como visto, a eqüidade é uma forma integrativa do direito positivo.

Evidentemente, a eqüidade é a forma que merece as maiores críticas, pois passa necessáriamente pelos conceitos e convicções pessoais do julgador. A sua fragilidade, patente, é reconhecida pelo legislador, que admite o seu emprego nos casos expressamente autorizados em lei.

Provisóriamente, portanto, temos que a eqüidade cumpre, como uma de suas finalidades, a complementação de lacunas do ordenamento jurídico. Localiza-se fora do sistema positivo.

Em Cícero, "a equidade consistia em um interpretar de modo correto a lei, de acordo com o espirito da lei e não com as suas palavras" (Hermenêutica...,cit., pág 39)

Àquele conceito provisório pode ser acrescido uma outra nota característica: a interpretação da lei, de um comando geral e impessoal, para um caso isolado, próprio e particular, em que as circunstâncias indiquem que a sua aplicação, de forma textual, acarretará um prejuízo, uma injustiça ao destinatário da norma.

Luis Recaséns Siches, de forma brilhante, ao defender a sua lógica do razoável, nos dá a exata proporção da eqüidade num caso concreto. Relata que na Polônia havia uma estação ferroviária e, no seu pórtico, uma inscrição: "É PROIBIDA A ENTRADA DE CÃES". Em um determinado dia, um senhor tentou ingressar na estação com um urso, com o que foi barrado na portaria. Argumentou o seguinte: "Não posso ser barrado, pois essa norma, que restringe um direito, deve ser interpretada literalmente, o urso não é um cão." De nada adiantou a sua argumentação; sua entrada com o animal foi barrada. Momentos depois, um cego, acompanhado com um cachorro para guiá-lo, adentra na estação. Sua entrada, entretanto, foi permitida. O exemplo dá uma idéia imediata e concreta da ligação da eqüidade com o bom senso.("Nuova filosofia de la interpretacion del derecho", 2a. ed. , México)

Agora o entendimento do autor:

"É a única proposição válida que pode ser emitida sobre a interpretação é a de que o juiz deve interpretar de maneira que leve à individualização mais justa da norma geral, de modo que se obtenha a solução mais justa entre todas as possíveis; mesnmo assim, a interpretação eqüitativa obedece melhor a lei que o desvario da interpretação literal, de modo que o problema da eqüidade não é o de corrogir a lei, mas de interpretá-la razoavelmente para obter a individualização mais justa". (Introdução al Estudio del Derecho", 5a. ed. , Editorial Porruá S.A., México, l979, pág. 242)

A conceituação da eqüidade já pode ser apresentada nas duas dimensões propostas; "na hipótese de lacuna de direito, como forma integrativa do direito, heterointegrativa, localizada fora do sistema jurídico e como princípio norteador do processo interpretativo, de natureza corretiva e adaptadora, para alcançar a justiça do caso particular, de modo que a generalidade e a abstação da norma se conformem com as exigências ético-jurídicas do particular" (a segunda parte deste conceito é de Miguel Reale, "Estudos de Filosofia e Ciência do Direito", pág. 96)

AS APLICAÇÕES DA EQÜIDADE

A norma juridica, uma vez promulgada, desprende-se de seu criador, o legislador, para ter existência própria, autônoma e desvinculada.

Para a sua interpretação, pois a norma é feita pelo político, contendo os mais variados vícios da línguagem (equivocidade, vaguidade, ambiguidade, etc.), é necessário recorrer aos domínios da Ciência do Direito, sobretudo a hermenêutica.

O problema da interpretação é ligado à compreensão exata do sentido e do alcance da norma. O da integração ocorre na ausência de uma norma específica e regulamentar uma determinada situação fática (lacuna).

O interprete recorre a determinados mecanismos: interpretação autêntica (as razões do legislador para edição da norma); gramatical (as regras gramaticais da linguagem onde vertida a norma); lógica (a norma pelas regras da lógica formal - identidade, terceiro excluído, não contradição, etc.); histórico-evolutivo (as razões da época que levaram o legislafdor a editar a norma e a evolução da sociedade no tempo); sistemática (a norma em relação às demais componentes do sistema jurídico);a doutrina (a interpretação dos juristas sobre a norma); a jurisprudência (as decisões reiteradas do Poder Judiciário sobre uma determinada matéria); Legal (a interpretação de uma norma por outra norma, do mesmo ou de nível superior); eqüidade (abrandamento da norma em virtude de uma situação peculiar, para o fim de se fazer justiça).

Convém ressaltar que, sobre esses processos, não há unanimidade na doutrina acerca de sua propriedade e classificação. Não há prioridade nem excelência de um método sobre o outro, e podem ser usados todos, alguns, ou apenas um deles.

Com relação à eqüidade como forma integrativa do direito, aeqüidade, como vimos, consta implicitamente no artigo 5º da LICC.

Entretanto, a eqüidade, como já ressaltamos anteriormente, é o meio que encontra maior resistência para integração do direito. Isso porque o seu emprego é o que mais depende da formação cultural humana, ou por outras palavras, a aplicaçào da eqüidade passa direta e necessáriamente pelas convicões pessoais do inter[prete ou aplicador do direito, ou seja, pelo seu snso moral, ético, econômico, político, geográfico, enfim, por todas as muitas matrizes que conformam a personalidade e o caráter humano. Por esses motivos, é o mais aveso a estabilidades social que, em última análise, e a principal finalidade do direito, exatamente porque o mais liberal, ou seja, não vinculado a um esquematismo positivo.

O Código de Processo Civil dá o tom dessa restrição:

"artigo 127 - O juiz só decidirá por eqüidade nos casos previstos em lei".

Na legislação civil, há inúmeros casos em que a eqúidae é expressamente autorizada (exemplo: artigos: 1.109, 1.075, IV, do CPC e artigo 1.040 do Código Civil; artigo 1.456 do CPC)

é interessante notar que um juiz que julgará uma ação tributária está vinculado ao Codigo de Processo Civil, mesmo com as leis especificas que regem as execuções fiscais, mandados de segurança ou outras ações diretamente ligadas ao Direito Tributário.

Também esse ponto de vista encontra fortes críticas, como a de Miguél Reale.

O Direito Tributário encerra semelhante dispositivo, para o emprego de eqüidade para integraçào sistemática:

"artigo 108. - Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia;
II - os princípios gerais do direito tributário;
III - os princípios gerais de direito público;
IV - a eqüidade.

Parágrafo 1º - O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

Parágrafo 2º - O emprego da eqüidade não poderá resutar na dispensa do pagamento do tributo devido".

A eqüidade ocupa o último lugar do "ranking"da preferência do legislador para complementação de lacunas. E há, também, a ressalva do parágrafo 2º.

Há severas criticas, ao nosso entender procedentes, sobre este artigo. Podemos citar Paulo de Barros Carvalho, Geraldo Ataliba, Roque Antonio Carazza, entre outros, que não entendem correta a advertência e o mandamento do legislador.

Essas críticas pautam-se exatamente no principal postulado do direito, ao lado da segurança e estabilidadde das relações sociais; a justiça. com efeito, tanto a interpretação como a integraçào do direito devem perseguir a melhor norma, a mais justa para o caso em conflito. Dai a possibilidae de ocorrer que o uso da analogia, por exemplo, embora possível, nào represente a melhor solução para o litígio, que pode ser alcançada por outra forma integrativa, como o atendimento aos princípios gerais de direito, a eqüidade.

DA EQÜIDADE NO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO PAULISTA

Em respeito aos princíos gerais consagrados na direito positivo, somente é cabível o uso da eqúidade quando da hipótese prevista no artigo 5º da Lei no. 10.081, de 25/04/68:

"artigo 5º - O Tribunal poderá em suas decisões aplicar o princípio da eqüidade, limitado a prazos e condições processuais".

No Tribunal de Impostos e Taxas, a eqüidade, explicitamente e em termos procedimentais, tem sido usada para o conhecimento de recursos entempestivos. Implicitamente, e em termos materiais (para a obriga'vcão tributária própriamente dita) para a revelação de penalidades, quando não há, na infraçào, exigência de imposto, bem como tenha sido cometida com fraude, dolo ou simulação.

A Instrução CAT-10 também pode ser citada como um exemplo de eqüidade.

A eqüidade, como forma de interpretação do direito, deve ser empregada no cotidiano da fiscalização.

Por outro lado, o lançamento tributário é ato administrativo plenamente vinculado. O tributo é indisponível. Isso está claro no artigo 108, supracitado.

Há também, inegavelmente, eqüidade quando da elaboração das normas ompositivas, exonerativas e acessórias do tributárias, considerando as áreas de atividade econômicas, movimento tributável, etc.

São estas as principais considerações sobre tão instigante tema.