1. Após uma série de incidentes processuais, provocados, principalmente, pela inusitada utilização de embargos de declaração, fundamentada na aplicação subsidiária do artigo 535 do Código de Processo Civil, tornam os autos a este Tribunal, via do apelo revisional interposto pela autuada, desta feita, para apreciação pelas Câmaras Reunidas.
2. Trata-se de controvérsia em torno da base de cálculo do ICM devido pela entrada de mercadoria importada e utilizada como matéria-prima na fabricação de produtos objeto de saídas não sujeitas ao tributo.
3. O Fisco assenta sua exigência na tese de que a expressão taxa cambial efetivamente aplicada em cada caso, contida no inciso IV do artigo 2º do Decreto-Lei nº 406, de 31-12-68, repetida, literalmente, na redação do inciso IV do artigo 19 da Lei local nº 440, de 22-9-74, e no inciso IV do artigo 27 do RICM/81, há de ser entendida como a taxa constante do contrato de câmbio, entendimento que, ao seu ver, não desborda do artigo 143 do CTN, que determina a conversão da moeda estrangeira ao câmbio do dia da ocorrência do fato gerador da obrigação, mas, ressalva disposição da lei em contrário.
4. A recorrente, por seu turno, fixa-se na tese de que a taxa cambial a ser aplicada é a vigente ao tempo do desembaraço aduaneiro, que serve, também, de base para o cálculo dos Impostos de Importação e de Produtos Industrializados e que a pretensão da Fazenda leva à tributação de flutuação cambial, o que é vedado aos Estados, por ser de competência exclusiva da União, nos termos do inciso VI do artigo 21 da C.F./69.
5. A matéria foi apreciada, em grau de recurso ordinário, pela 5ª Câmara Especial, em sua constituição anterior, que, à unanimidade, placitou o voto do Relator, Dr. Ari José Brandão, que negou provimento ao recurso, por entender que a razão está com o Fisco.
6. Vislumbrando contradição entre os fundamentos e a conclusão do acórdão, a autuada interpôs, inusitadamente, até porque já estava esgotada, por decurso dos prazos recursais, a instância administrativa, embargos de declaração, invocando aplicação subsidiária do artigo 535 do Código de Processo Civil. Repelido na primeira tentativa, o inusitado recurso foi renovado e acolhido como esclarecimento de julgado, nos termos do artigo 534 do RICM, por respeitável despacho do então Presidente desta Corte, que o distribuiu à 1ª Câmara, onde foi conhecido como Pedido de Retificação de Julgado, mas, desprovido, por votação unânime.
7 O pedido de revisão aponta como divergente o acórdão prolatado pela 6ª Câmara Especial no processo DRT-6 nº 5108/87, em nome da mesma autuada, de que foi relator o Juiz, Dr. Moacyr Mesquita Cavalcante, que, por unanimidade, acolheu a tese da recorrente, cancelando a exigência fiscal, sob o fundamento fulcral de que o contrato de câmbio não é documento de importação, nem dele faz parte e usá-lo como fonte da base de cálculo do ICM é tributar correção monetária de forma oblíqua.
8. A Representação Fiscal manifestou-se na pessoa do Dr. Elídio Ramires, opinando, preliminarmente, pela rejeição do pedido, por interposto extemporaneamente, visto que, a decisão recorrida foi publicada em 11-10-89 e o apelo revisional só foi protocolado em 30-01-91. E mesmo considerando que os embargos foram recebidos como esclarecimento de julgado, nos termos do artigo 534 do RICM/81, não há como convalidar-se a preclusão do prazo exaurido, quer pela ausência de amparo legal, quer porque da retificação de julgado não cabe recurso. No mérito, propugna pelo desprovimento, por caracterizada nos autos a infração cometida, invocando, como precedente, decisão favorável à tese fazendária, cuja ementa constou sob nº 450 do Ementário TIT/90, página 203, assim redigida:
“IMPORTAÇÃO - matéria-prima -ICM recolhido a menor em razão de haver o contribuinte utilizado a taxa cambial vigente à data da entrada da mercadoria, inferior à efetivamente aplicada no caso - Legítima exigência fiscal da diferença - Recurso ordinário desprovido. Decisão unânime” (Proc. DRT-4 nº 9964/84, 6ª Câmara - Rel. Luiz Sérgio Soares).
9. É o relatório.
VOTO
10. Com a Representação Fiscal, entendo que o pedido de revisão realmente é extemporâneo, pelos próprios fundamentos que alinhou em seu parecer. Não obstante, invoco o princípio da equidade para conhecê-lo, nos termos do artigo 5º do Regimento Interno, visto que presentes os demais requisitos para a sua admissibilidade. É que a decisão revisanda, se não contém contradição implícita, no mínimo, é de difícil intelecção, justificando, plenamente, o Esclarecimento de Julgado, sem o que, estaria o recorrente em dificuldade para, com firmeza, formular o seu recurso. De se conhecê-lo, portanto, em homenagem ao sagrado princípio constitucional da ampla defesa.
11. A questão que se submete a este Plenário, objetivando a uniformização dos julgados, é a de se saber qual a taxa cambial a ser aplicada na conversão da moeda estrangeira para a nacional, para definição da base de cálculo na entrada de mercadoria importada do exterior, em face do disposto no artigo 19, inciso IV, da Lei nº 440, de 24 de setembro de 1974, regulamentado pelo artigo 27, inciso IV, do RICM/81, “verbis”:
“IV - no caso do inciso II do artigo 1º, a base de cálculo é o valor constante dos documentos de importação, convertido em cruzeiros à taxa cambial efetivamente aplicada em cada caso, acrescido do valor dos Impostos de Importação e sobre Produtos Industrializados e demais despesas aduaneiras efetivamente pagas.”
12. A matéria já foi objeto de apreciação do Plenário, em sua constituição anterior, pelo menos, em duas oportunidades, mas não logrou pacificação. No processo DRT-5 nº 3903/82, foi sufragada, por apertada maioria, a tese defendida pelo Relator, Dr. Paulo Celso Bergstron Bonilha, no sentido de que a norma em foco constitui exceção à regra geral do artigo 143 do CTN, sendo legítima a exigência da diferença do imposto com base na variação da taxa cambial até o fechamento dos contratos de câmbio, posterior à data dos respectivos fatos geradores. Em outra oportunidade, o Plenário rejeitou, também por estreita maioria, a mesma tese, desta feita, defendida pelo Juiz, Dr. Hypérides Toledo Zorzella, relator do Revisional no Processo DRT-6 nº 5108/87.
13. Há que se admitir que o dispositivo em questão, tal como redigido, é de difícil inteligência e apenas a análise sistemática da legislação então vigente não oferece adminículos suficientes para se colher uma inferência estreme de dúvida.
14. Tenho para mim que a solução da controvérsia exige, também, investigação histórica do dispositivo e invocação do princípio basilar do lançamento, que deve se ater às circunstâncias fáticas e jurídicas existentes na data da ocorrência do fato gerador - “tempus regit factum”.
15. A Lei nº 9.590, de 30-12-66, que instituiu o ICM no Estado de São Paulo, com apoio nos artigos 52 e seguintes do CTN, não contemplava a entrada da mercadoria importada do exterior como fato gerador. Por isso que, ao tratar da base de cálculo, dispôs no parágrafo 3º do artigo 7º:
“Parágrafo 3º - O valor da operação será calculado em moeda nacional; quando expresso em moeda estrangeira, far-se-á a conversão à taxa utilizada no fechamento do contrato de câmbio ou, na falta deste, à taxa do dia da saída da mercadoria do estabelecimento, somadas, em qualquer caso, as importâncias relativas a bonificações ou outras vantagens a qualquer título auferidas pelo contribuinte” (grifei).
16. Como se vê, quando o legislador quis que o referencial fosse a taxa do fechamento do contrato de câmbio, ele o fez expressa e cristalinamente. E quando a lei complementou o comando, estabelecendo que na falta do contrato de câmbio fosse utilizada a taxa cambial do dia da saída da mercadoria, deixou claro que o que se pretendia como base de cálculo era a conversão antecipada, ou, a conversão na data da ocorrência do fato gerador. É óbvio que só se cuidava, na hipótese, de exportação e o contribuinte pátrio é que recebia o preço, fechado, de regra, antecipadamente.
17. Essa situação perdurou até o advento do Decreto-lei nº 406, de 31-12-68, que foi incorporado à legislação de São Paulo pelo Decreto nº 51.345, de 31-01-69, não obstante o A.C. nº 34, de 30-01-67, já tivesse erigido a entrada de importados como o fato gerador do ICM e o artigo 5º do A.C. nº 35, de 28-02-67, de efêmera duração, tivesse fixado como base de cálculo o mesmo valor utilizado para o Imposto de Importação.
18 Interessante observar que a Lei nº 440/74 ao estabelecer a controvertida base de cálculo em seu artigo 19, inciso IV, procurou explicitar, no parágrafo 9º, a hipótese de ser desconhecida na data da ocorrência do fato gerador, a taxa cambial efetivamente aplicada em cada caso, determinando a utilização da taxa empregada para pagamento do I.I. Observa-se que o legislador toma como referencial a data da ocorrência do fato gerador e usa o verbo aplicar no pretérito - taxa cambial efetivamente aplicada - o que faz supor estar-se referindo à data do desembaraço aduaneiro, visto que, os valores a serem considerados são os constantes dos documentos de importação (D.I.).
19. Referido dispositivo ainda estabeleceu que se a mercadoria importada não se destinar a subsequente operação tributada deverá o importador recolher eventual diferença, quando vier a conhecer o valor definitivo da taxa cambial, ficando dispensada desse recolhimento se houver subsequente operação tributada. Ora, a prevalecer o entendimento de que a taxa é a constante do contrato de câmbio pode ocorrer o absurdo de o valor do tributo a ser pago pelo custo vir a ser maior que o devido pela venda da mesma mercadoria, em decorrência da “leucêmica inflação que assola desabridamente a economia brasileira”, na expressão do Relator do paradigma colacionado. Basta que o contrato seja fechado algum tempo depois da importação e a mercadoria vendida logo em seguida, com pouca margem de lucro.
20. Para bem se entenderem as regras da base de cálculo em relação às mercadorias importadas não se pode deslembrar das diversas hipóteses de importação e das respectivas regras quanto ao local, forma e prazos de pagamento, elencadas no artigo 69, incisos VI e VII, parágrafos 1º e 2º, e artigo 71, inciso I, alíneas “a” a “c” do Regulamento. Também se deve ter presente que a importação não se faz em uma só moeda estrangeira.
21. Assim, a expressão “taxa cambial efetivamente aplicada em cada caso” está condicionada à conversibilidade das diversas moedas estrangeiras nos prazos de recolhimento definidos no Regulamento, tendo como limite, a data da ocorrência do fato gerador.
22. Vale registrar que a legislação do ICMS, livre do jugo do Decreto-lei nº 406/68, abandonou a esdrúxula redação para dispor, de forma direta e transparente, que a taxa cambial a ser aplicada, no caso, é a do dia da ocorrência do fato gerador, em perfeita sintonia com o artigo 143 do CTN (vide artigo 32 da Lei nº 6.374/89).
23. Finalmente, um argumento de fecho. No erudito voto a que me referi atrás, o Prof. Paulo Bonilha sustentou brilhantemente a tese da taxa cambial do fechamento do contrato de câmbio, encarando a lei paulista como exceção perfeitamente prevista no próprio artigo 143 do CTN e afirmando, com invocação do magistério do insigne Souto Maior Borges, que podem os Estados-membros legislar sobre a conversibilidade do valor tributável, para o lançamento de seus próprios tributos, não sendo exclusividade da União regular a conversão cambial prevista na ressalva do artigo 143, 1ª parte.
24. Este argumento, ao meu ver, perfeito, labora em favor da tese do recorrente. Com efeito, ao estabelecer que o imposto deve ser recolhido antes do desembaraço aduaneiro, o que significa, antes da ocorrência do fato gerador, com observância da taxa cambial efetivamente aplicada em cada caso, a legislação paulista valeu-se, exatamente, da exceção prevista no mencionado artigo 143. Assim o fez, também, no caso da exportação, cujo momento da conversão da moeda estrangeira só passou à regra geral do dia do fato gerador, com o advento da Lei nº 4.470, de 19-12-84, sob o fundamento de que o fechamento antecipado do câmbio causava prejuízo para a arrecadação (vide Exposição de Motivos que acompanhou o Projeto de Lei nº 786, de1984,anotado pelo atento Dr. Luiz Álvaro Fairbanks de Sá, em seu voto em separado no Processo DRT-5 nº 3903/82).
25. Com estes fundamentos, meu voto é no sentido de conhecer, por equidade, o pedido de revisão para, no mérito, dar-lhe provimento.
Plenário Antonio Pinto da Silva, 16 de julho de 1992.
a) Cézar Augusto Moreira, Relator
Resumo da Decisão - Pedido de Revisão - Provido o recurso - Decisão não unânime - Câmaras Reunidas - Proc. DRT-6 nº 5066/87.
Comandos auxiliares:
Colaboração:
Elaboração:
Luiz Antonio Castelo Branco (AFR - Assistente Fiscal da DIPLAT)
José Antonio Moraes Salles (AFR - Assistente Fiscal da CT)
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