AFISCOM
RCT - 812/95, de 22/12/95
ICMS NA IMPORTAÇÃO. RECOLHIMENTO ANTECIPADO (ARTIGOS 102, I, "a" e "c" - 39 parágrafo 6º, 1). DISTINÇÃO ENTRE "DÓLAR FISCAL", DÓLAR COMERCIAL E "TAXA CAMBIAL DO DIA DO FATO GERADOR" (ARTIGO 50, I). HIPÓTESE DERECOLHIMENTO A MAIOR: FORMA DE RESTITUIÇÃO E COMPENSAÇÃO DO IMPOSTO.
RESPOSTA
1. A consulente informa que realiza regularmente importações de mercadorias destinadas a integrar o processo de industrialização de seus produtos, inclusive para seu uso e consumo e para integração em seu ativo imobilizado. Para tanto, recolhe o tributo estadual, quando do desembaraço destas, utilizando a taxa empregada pela Repartição Alfandegária "conforme determina o art. 39, § 6º do RICMS por ser desconhecida a taxa cambial aplicável na data do fato gerador para apuração da base de cálculo do ICMS", efetuando o recolhimento do imposto "resultante da diferença para o valor definitivo da taxa cambial, quando esta é maior do que aquela."
E aduz, "acontece que, com as últimas alterações da economia, acarretando estabilização da moeda, por vezes ocorre, face as conseqüentes oscilações do câmbio, a situação inversa, gerando uma diferença negativa entre o imposto devido e o recolhido.".
Isso posto, após invocar o que dispõem os artigos 143 e 165 do CTN e o parágrafo 6º do artigo 39 do RICMS, conclui:
a) que tem direito ao crédito "correspondente ao ICMS que decorrer da diferença cambial negativa";
b) que deve escriturar tais créditos, incluídos os relativos a operações pregressas, no livro RAICMS, modelo 9, no campo "outros créditos", por ocasião da apuração do imposto do período em que ocorrer a situação exposta.
E indaga se está correto seu entendimento.
2. Em resposta, temos a informar, preliminarmente, que a consulente incorre no erro, muito comum entre os importadores, de entender que o disposto no artigo 36, § 6º do RICMS é aplicável à hipótese em que se desconhece a taxa cambial da data do fato gerador do ICMS incidente na importação, o que não corresponde à realidade, como veremos.
Há que se ter em mente que o referido dispostivo NÃO dispõe sobre BASE DE CÁLCULO do imposto incidente na importação.
Com efeito, as coordenadas trazidas naquele parágrafo, destinam-se exclusivamente, à obtenção do montante a ser recolhido a título de ANTECIPAÇÃO do ICMS, a ser pago "até o momento do registro da Declaração de Importação" (art. 102, I, "a"). E não se confundem com aquelas que informam sua BASE DE CÁLCULO, da qual só se cogita definitivamente, a partir da consumação do respectivo FATO GERADOR. Antes disso, qualquer pagamento é mera antecipação, cujo cálculo não pode se basear na taxa de câmbio do dia do fato gerador, uma vez que este ainda não ocorreu. E, aí, reside o citado equívoco.
Entretanto, para obter-se o montante da ANTECIPAÇÃO, na forma do disposto no artigo 102, I, "a" desconhece-se a referida taxa de câmbio, daí a necessidade de se aplicar a diretriz do artigo 39, § 6º.
2.1 Recorde-se que o FATO GERADOR do ICMS ocorre com o RECEBIMENTO da mercadoria , em função do seu desembaraço para consumo (art. 1º, parágrafo único, art. 2º, V, §§ 4º e 5º do RICMS). E que esse evento formaliza-se com a assinatura, pelo importador ou seu preposto, do campo 10 "RECEBIMENTO DOS VOLUMES", item 35 da Declaração de Importação, onde se consigna, inclusive, a data do fato (RICMS art. 2º, § 4º).
Por outro lado, observe-se que as normas que disciplinam a forma e prazo de recolhimento do ICMS, não obstante devam resultar de expressa disposição de lei, no Estado de São Paulo a Lei nº 6.374/89 (arts. 2º, V e 59) determina que o seu regulamento discipline tanto o prazo como a forma para o recolhimento do imposto na importação, entre outras situações. A esse respeito, urge acrescentar que é matéria assente nas decisões dos nossos Tribunais a permissibilidade dessa postura do legislador, remetendo tal disciplina às respectivas normas regulamentares.
E o RICMS obriga que o ICMS incidente na importação seja recolhido ANTECIPADAMENTE ao fato gerador, por meio de guia especial, quando do início do despacho aduaneiro, ou seja, até o momento do registro da Declaração de Importação" (art. 102, I, "a").
2.2 A propósito, o saudoso ANTONIO PINTO DA SILVA, em suas manifestações sobre o assunto, à testa desta Consultoria Tributária, costumava ressaltar que a exigência do recolhimento do tributo, em antecipação ao respectivo fato gerador, em hipótese alguma é exclusividade do legislador estadual ou representa novidade na legislação tributária nacional. E lembrava a ocorrência dessa prática na legislação do Imposto sobre a Renda, que obriga a retenção do imposto pela fonte pagadora, a título de antecipação do devido na respectiva Declaração da pessoa física. Ainda na esfera federal, apontava para o IPI incidente nas importações, o qual é exigido quando do registro da Declaração de Importação, no início do despacho aduaneiro (ou seja, como o então ICM e o atual ICMS). E, no entanto, como se sabe, o fato gerador daquele imposto federal é o desembaraço da mercadoria, que somente ocorre ao final daquele despacho. E na esfera municipal, aquele ilustre tributarista apontava para o Imposto sobre Transmissão "Inter Vivos" de Bens Imóveis (a popular Sisa), onde encontramos, como prática administrativa reiterada, sua antecipação, pelo escrvente do Tabelionato, para o momento da lavratura da respectiva Escritura Pública. E, invariavelmente, ao cabo de tais manifestações, perguntava-se: "E, por que não o ICM?". E acrescentamos: e por que não o ICMS, considerando o disposto no permissivo legal atrás referido (arts. 2º, V e 59 da Lei nº 6.374/89).
2.3 Assim é que, para definição da base de cálculo da OPERAÇÃO DE IMPORTAÇÃO (não nos referimos ao cálculo da parcela de antecipação de que tratou o item 2), o artigo 39, no seu inciso IV, do RICMS, manda converter o valor constante da Declaração de Importação, respeitando-se o disposto no art. 50, I, do Regulamento. E este determina que, para tanto, far-se-á a conversão do valor expresso em moeda estrangeira, mediante aplicação da taxa cambial do dia do fato gerador - em consonância, aliás, com o que dispõe o art. 143 do Código Tributário Nacional.
Nesse particular, entende-se como "taxa cambial do dia", a média do valor de venda da moeda estrangeira pela entidade financeira naquela data, valor esse veiculado pelo Banco Central e publicado, no dia seguinte, pela imprensa.
2.4 No presente caso, o nosso enfoque visa, primeiramente, demonstrar que, para se proceder a ANTECIPAÇÃO do recolhimento, na forma determinada pelo artigo 102, I, "a", não há como aplicar-se o disposto no artigo 50, I, uma vez que o fato gerador somente ocorrerá APÓS o desembaraço da mercadoria, findo o despacho aduaneiro. Assim, por meio do artigo 39, § 6º, item 1, o legislador procura suprir a INEXISTÊNCIA do referencial "taxa cambial-do-dia-do-fato-gerador", para a operação, autorizando o uso, A TÍTULO PRECÁRIO E PROVISÓRIO, da "taxa empregada pela repartição alfandegária, para fins de pagamento do Imposto de Importação", conforme reza aquele dispositivo.
2.5 Vulgarmente denominada de "dólar fiscal", porque baixada por Ato Declaratório da autoridade aduaneira, para o cálculo do Imposto de Importação, é evidente que a taxa empregada pela repartição alfandegária NÃO SE CONFUNDE com a "taxa cambial" apontada na regra geral do art. 50, I do RICMS e art. 143 da CTN, de variação diária, em razão da natureza flutuante do atual mercado de câmbio. De fato, o "dólar fiscal", originalmente de vigência semanal, após a edição, pelo Ministro da Fazenda, da Portaria 286, de 29/11/95, passou a ser fixado "com base na cotação para venda da respectiva moeda, no último dia de cada mês, para vigência no mês subsequente".
Daí por que, sem razão, alguns intérpretes, que entendem estar o Fisco "abrindo mão" da parcela do ICMS INCIDENTE SOBRE A IMPORTAÇÃO, calculada com base na taxa cambial referida no artigo 50, I, ao solicitar a ANTECIPAÇÃO de parte daquele montante, calculada com base no "dolar fiscal" (art. 39, § 6º, 1). Tal postura seria contraditória com a própria disciplina de arrecadação do tributo estadual existente desde do advento do ICM.
De fato, desde a sistemática do ICM evidencia-se o propósito do legislador no sentido de obrigar o importador a proceder, desde logo, o adiantamento (ainda que parcial) do imposto, por meio de guia de recolhimento e o quanto antes possível.
É compreensível tal preocupação, uma vez que está em vias de se aperfeiçoar o fato gerador do tributo estadual em relação a uma mercadoria que ainda não integra a Economia do país, e que, para tanto, é vital que, de um lado, a operação seja antecipadamente controlada pelo Fisco, de modo a evitar a sonegação, que fatalmente ocorreria, não fora obrigatória a antecipação parcial. De outro lado, porque o princípio da não-cumulatividade impõe que o creditamento do imposto se faça com base no montante do tributo cobrado na operação anterior, o que não ocorre, tratando-se de negócio internacional. Assim, necessário se torna que o importador recolha diretamente aos cofres do Erário o seu "cacife", necessário para ingressar nesse jogo chamado "economia nacional", permitindo-se-lhe, desde logo, o creditamento, quando há perspectiva de saída tributada da mercadoria.
2.6 Nestas condições, sendo, o "dólar fiscal", de utilização precária pelo contribuinte, uma vez aperfeiçoado o fato gerador do ICMS dias após, poder-se-á, SOMENTE ENTÃO, definir-se a TAXA CAMBIAL, a que refere o art. 50, I, e que permite compor, finalmente, o valor da operação para fins de tributação.
A sucessão dos equívocos já assinalados, gera, como consequência, em primeiro lugar, a desconsideração até mesmo de normas, que, originalmente, poderiam pertencer à Lei nº 6.374/89, mas que, por delegação desta, figuram no Regulamento do ICMS. Em segundo lugar, aplica-se erradamente a regra de definição da base de cálculo da operação expressa em moeda estrangeira (emanada do art. 143 do CTN), com drásticas consequências para a arrecadação.
Com efeito, os que se enquadram na primeira hipótese, olvidam-se dos termos do artigo 102, I, "c" do RICMS, onde se determina que o importador deverá proceder ao recolhimento da DIFERENÇA CAMBIAL a que se refere o item 2 do § 6º do art. 39 (salvo se a mercadoria destinar-se a subseqüente operação tributada), "dentro de 5 dias úteis, contados da data em que for conhecido o valor da taxa cambial aplicada", ou seja, na data da ocorrência do fato gerador. A prevalecer a tese por eles abraçada (vide segundo tópico do item 2.5) referido dispositivo terá se tornado verdadeira "letra morta", inócuo, em decorrência da ação do tempo e dos intérpretes.
2.7 Por outro lado, cumpre alertar, aos referidos intérpretes, para os drásticos efeitos acarretados ao instituto da Base de Cálculo das importações, efeitos resultantes da PRÁTICA ERRÔNEA de se aplicar a regra do artigo 50, I, desprezando-se o elemento-chave apontado por aquela norma: A MOEDA ESTRANGEIRA E O VALOR DE SUA TAXA NA DATA DO FATO GERADOR - qual seja o dia do recebimento da mercadoria pelo importador. Ao invés disso, lançam mão da taxa emprestada precária e temporariamente à autoridade aduaneira (o "dólar fiscal"), na forma do disposto no artigo 39, § 6º, 1, o qual, repita-se, nada tem a ver com a aplicação do artigo 50, I, uma vez que se limita a orientar como calcular-se o recolhimento provisório e antecipado. Entretanto, como conseqüência da referida interpretação o Fisco "abriria mão" da diferença do ICMS que seria apurada com a aplicação do artigo 50, I, a qual deixa de ser recolhida, evidenciando grande perda para o Erário.
À luz desse entendimento, a nosso ver, equivocado, o que era precário se torna definitivo, sem qualquer base legal. Tanto é provisório o uso do "dólar fiscal" para o cálculo da ANTECIPAÇÃO, que o legislador, por intermédio do já citado artigo 102, I, "c", viu-se na contingência de abrir prazo de 5 dias para o recolhimento da DIFERENÇA CAMBIAL, prazo cujo termo inicial é o FATO GERADOR, a data em que o importador toma conhecimento da taxa cambial a ser aplicada na forma do artigo 50, I.
2.8 Portando, recapitulando, incorreto o raciocínio da consulente, quando aduz que lança mão precariamente do "dólar fiscal", com base no disposto no art. 39, § 6º, "por ser desconhecida a taxa cambial aplicável na data do fato gerador, quando, na realidade, ficou demonstrado que tal dispositivo, aponta para um momento que não diz respeito ao fato gerador.
E se este ainda não se aperfeiçoou, NÃO SE PODE CONHECER a "taxa cambial aplicada" à operação de importação, haja vista que o despacho aduaneiro, ainda não teve início. De sorte que, nos termos daquele dispositivo, a antecipação do imposto deve ser calculada com base em outro parâmetro: o "dólar fiscal", a taxa utilizada mensalmente pelas autoridades aduaneiras.
3. Esclarecido este ponto, voltemos nossa atenção para o aspecto suscitado na consulta, relativo ao procedimento a ser adotado na eventualidade de vir a ocorrer a variação negativa do câmbio. A respeito, podemos aduzir que, na atual condição do câmbio flutuante, o "DÓLAR FISCAL", a taxa utilizada pelas autoridades aduaneiras para cálculo dos tributos federais, e que, como vimos, também informa o cálculo do ICMS exigido antecipadamente, será, quase que invariavelmente, INFERIOR ao valor do DÓLAR OFICIAL OU COMERCIAL, negociado no mercado de câmbio DIAS APÓS, quando do desembaraço da mercadoria e do aperfeiçoamento do fato gerador/recebimento.
Tal fato repercute na definição do CORRETO VALOR DA OPERAÇÃO e acarreta o surgimento da DIFERENÇA CAMBIAL, o que redunda na obrigação de o importador proceder o recolhimento do imposto, calculado com base nesse diferencial, nos casos previstos acima, sob pena de locupletar-se em detrimento do Erário, estando dispensado tal recolhimento quando a mercadoria tenha sua saída tributada.
3.1 Significa dizer que, via de regra, NÃO OCORRE a situação suscitada na consulta, que aponta para o surgimento de "diferença negativa entre o imposto devido e o recolhido", ou que, em decorrência de "oscilações de câmbio", a taxa DO DÓLAR OFICIAL OU COMERCIAL do dia do fato gerador/recebimento resulte INFERIOR ao "DÓLAR FISCAL", baixado pela autoridade aduaneira DIAS ANTES.
Efetivamente, tal fato somente ocorreria em decorrência de situações anormais no mercado de câmbio, acarretando o recolhimento, a título de antecipação do ICMS, de importância SUPERIOR àquela que seria devida na data do fato gerador.
Esse fenômeno configuraria hipótese de pagamento indevido do ICMS, que deve ser recolhido a título de antecipação, nos termos do art. 39, § 6º. Trata-se , portanto, de situação cujo equacionamento obedece a normas baixadas pela Secretaria da Fazenda, não podendo a consulente, "sponte própria", simplesmente escriturar tais "diferenças" a seu favor no Registro de Apuração do ICMS, modelo 9.
Para tanto, deverá respeitar a disciplina destinada a corrigir tal situação, pondo em prática o disposto na Portaria CAT nº 83,de 28-11-91, que, entre outras situações, disciplina, no seu capítulo II (arts. 3º a 7º), a forma de se promover, mediante requerimento, a restituição ou compensação do imposto, nos casos em que este foi, COMPROVADAMENTE, pago indevidamente, sendo certo que o artigo 60, no seu inciso V do RICMS, pemite que o contribuinte proceda, sob sua responsabilidade, ao creditamento, independentemente de autorização, quando tiver sido requerida administrativamente e, por motivo a que o interessado não tiver dado causa, a decisão não tiver sido proferida no prazo de 45 dias, contados da data do respectivo pedido."
Antonio Carlos Vallim de Camargo, Consultor Tributário.
De acordo. Richard Haddad, Consultor Tributário Chefe - ACT - Substituto.
Cássio Lopes da Silva Filho, Diretor da Consultoria Tributária.