RELATÓRIO
1. Trata-se de recurso ordinário contra decisão monocrática que julgou procedente autuação lavrada em 4.2.92, a teor de falta de recolhimento, pelo autuado, do IPVA incidente sobre 3 (três) aeronaves de sua propriedade, e de procedência estrangeira, identificadas na peça vestibular e documentos que a instruem, nos exercícios de 1990 e 1991.
2. Tanto na defesa inicialmente apresentada, quanto no recurso ora apreciado, o autuado insurge-se contra as exigências fiscais que se lhe atribuem fundado em que:
a) a decisão a quo afigura-se “nula”, de plano, por não haver enfrentado todas as questões suscitadas na defesa de primeira instância;
b) pelo fato de as respectivas bases de cálculo terem vindo a lume através de atos veiculados no próprio exercício de sua cobrança, a exigência do IPVA em 1990 e 1991 teria ferido o princípio inserto no art. 150, inc. III, alínea b, da Lei Maior:
c) os valores venais utilizados para tais bases de cálculo, a par de haverem sido fixados através de Resolução e Portaria (com o que se estaria violando, também, o “princípio constitucional da legalidade”), não refletiriam o real valor de mercado dos bens em comento, observadas as características individuais específicas que eles apresentam;
d) a escala dos mencionados valores estaria a contrariar, também, o disposto no art. 6º , § 4º, da Lei nº 6.606/89, que determinou que “os veículos com mais de dez anos de uso teriam nas respectivas categorias um único valor”, e afrontaria o “princípio constitucional da capacidade contributiva”;
e) tabelas editadas pelo IRB, acostadas ao apelo ora apreciado, estariam a demonstrar, segundo o recorrente, que referidos valores acham-se “divorciados da realidade”;
f) relativamente ao exercício de 1991, a alíquota de 6% incidente sobre a propriedade de veículos estrangeiros, superior à de 5% aplicada em relação aos veículos nacionais, configuraria discriminação vedada pelo art. 152 da Carta Magna;
g) a hipótese não admitiria que se cumulassem, no quantum originário do débito exigido, uma “multa moratória”, à base de 20% sobre o valor corrigido do imposto reclamado, com outra parcela de 100% do mesmo valor, esta a título de “multa punitiva”.
3. Em suas manifestações no processo, a autoridade autuante rebate os argumentos recursais acima descritos, sintetizando sua posição na afirmação de que “não cabe à esfera administrativa a discussão sobre a constitucionalidade das leis”.
4. É este o relatório que apresento, passando a aguardar a designação de data e consequente produção de sustentação oral das razões de recurso, consoante requerido.
VOTO
1. Rejeito, desde logo, a afirmação da autoridade autuante de que “não cabe à esfera administrativa a discussão ou o julgamento sobre a constitucionalidade das leis”.
Tendo a Carta Política que atualmente vige assegurado, da forma mais ampla e abrangente que nosso ordenamento jurídico já conheceu, a efetiva “defesa dos direitos individuais e coletivos”, afigurar-se-ia contraditório impedir-se que qualquer decisão oficial, monocrática ou de órgão colegiado, proferida no âmbito judiciário ou administrativo, não se instruísse pelos princípios e preceitos insculpidos na “Constituição-Cidadã”.
Neste sentido, aliás, já se pronunciou esse Tribunal, como relata de maneira lúcida e proficiente o Juiz Celso Alves Feitosa, em obra recentemente veiculada (“Processo Administrativo Fiscal”, Dialética, 1995, pgs. 17/36).
2. Entendo, de outra parte, descaber a nulidade da decisão a quo reclamada pelo recorrente, fundado em que a mesma não teria apreciado, exaustiva e articuladamente, cada um e todos os argumentos expendidos na defesa originária.
Pedido de tal jaez não estaria a homenagear a “economia e celeridade processuais”, princípio a cada dia mais prestigiado em nosso país, como deflui, por exemplo, da redação recentemente outorgada ao art.516 do Código de Processo Civil pela Lei nº 8.950/94.
3. Isto posto, passo ao exame das razões recursais “de mérito”, antecedendo-o de necessária remissão à legislação pertinente à quesídia em análise.
4. Autorizado pelo art. 155, alínea c, da Constituição Federal, o legislador paulista instituiu, no Estado, o “Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores, através da Lei nº 6.606, de 20.12.89.
No corpo de tal lei, definiram-se o fato gerador (art. 1º), o contribuinte (art.3º), as alíquotas (art. 7º), e a base de cálculo do tributo.
Desta última, ocuparam-se especialmente os artigos 5º e 6º da lei, que assim dispuseram:
“Art. 5º - A base de cálculo do imposto é o valor venal do veículo.
§ 1º - Em se tratando de veículo novo, a base de cálculo será o valor constante da nota fiscal e/ou documento de transmissão de propriedade.
§ 2º - Em se tratando de veículo de propriedade estrangeira, o valor venal para efeito do primeiro lançamento, será o constante do documento relativo ao desembaraço aduaneiro, acrescido dos tributos e de mais gravames devidos pela importação, ainda que não recolhidos pelo importador.
§ 3º - Na falta do documento referido no parágrafo anterior, será considerado, para a fixação do valor venal, o constante do documento expedido pelo órgão federal competente para a cobrança do tributo devido pela importação.
Art. 6º - Para efeito de lançamento, quanto a veículo usado, a Secretaria de Fazenda estabelecerá tabela de valores venais, levando em conta:
I - em ralação a veículos terrestres: marca, modelo, espécie, ano de fabricação e procedência;
II - em relação a embarcações: potência, combustível, comprimento, casco e ano de fabricação;
III - em relação a aeronaves: peso máximo de decolagem e ano de fabricação.
§ 1º - A tabela deverá ser divulgada no mês de dezembro, para vigorar no exercício seguinte.
§ 2º - Para a fixação dos valores serão observados os preços médios de mercado vigentes no mês de novembro.
§ 3º - A Secretaria de Fazenda poderá adotar, se houver, tabela de valores venais elaborada pelo Conselho de Política Fazendária - CONFAZ.
§ 4º - Os veículos com mais de 10(dez) anos de fabricação terão, nas suas respectivas categorias, um único valor.
§ 5º - A tabela poderá ser elaborada com os valores venais expressos em Unidades Fiscais do Estado de São Paulo - UFESP.”
E, em relação às alíquotas, estabeleceu seu artigo 7º:
“Art.7º - A alíquota do imposto, calculada sobre o valor venal, é de:
I - 3,5% (três e meio por cento) para quaisquer veículos importados, para embarcações e para aeronaves, bem como, em relação a veículos nacionais, para automóveis de passeio, de esporte e de corrida, camionetas de uso misto;
II - 2 % (dois por cento) para qualquer outro veículo, inclusive motocicletas e ciclomotores;
III - 2% (dois por cento) para veículos de passeio, de esporte e de corridas, camionetas de uso misto, movidos exclusivamente a álcool, desde que fabricados até a data de 31 de dezembro de 1989.”
5. A Lei n. 7.002, de 27.12.90, alterou as alíquotas supra para:
“ I - 5,0% (cinco por cento) para embarcações, aeronaves e automóveis de esporte e de corrida;
II - 4,0% (quatro por cento) para automóveis de passeio e camionetas de uso misto;
III - 2,5% (dois e meio por cento) para qualquer outro veículo, inclusive motocicletas e ciclomotores;
IV - 2,0% (dois por cento) para veículos de passeio, de esportes e de corridas, camionetas de uso misto, movidos exclusivamente a álcool, desde que fabricados até a data de 31 de dezembro de 1989;
V - 6,0% (seis por cento) para quaisquer veículos importados.”
E, posteriormente, esses mesmos artigos 6º e 7º da lei originária foram alterados pela Lei nº 7.644 de 23.12.91, que outorgou-lhes a seguinte redação:
“Art.6º................................................................................
§ 1º A Tabela deverá ser divulgada no mês de outubro, para vigorar no exercício seguinte.
§ 2º Para a fixação dos valores serão observados os preços médios de mercado vigentes no mês de setembro.
....................................................................................
§ 4º Os veículos com mais de dez (dez) até 20 (vinte) anos de fabricação terão, observado o caput deste artigo, como valor venal, 90% (noventa por cento) do valor venal do veículo fabricado no ano imediatamente posterior.”
“Art.7º ..........................................................................
I - 5,0 (cinco por cento) para embarcações, aeronaves e automóveis de esporte e de corrida:
II - 4,0 (quatro por cento) para automóveis de passeio e camionetas de uso misto;
III - 3,0 (três por cento) para automóveis de passeio, de esporte e de corrida, e camionetas de uso misto, movidos exclusivamente a álcool;
IV - 2,0 (por cento) para qualquer outro veículo, inclusive motocicletas e automotores;
V - 1,5 (um e meio por cento) para os veículos de carga, categorias caminhões com capacidade superior a 1 tonelada;
VI - 6,0 (seis por cento) para automóveis de passeio movidos a diesel;
VII - 1,0 (um por cento) para qualquer veículo indicado nos incisos precedentes com mais de 20 (vinte) anos de fabricação, excetuando-se as aeronaves.”
6. No que concerne, especificamente, às exigências do IPVA objeto do presente, tem-se que as “tabelas” indicativas dos valores venais correspondentes à respectiva base de cálculo foram veiculadas:
a) para o exercício de 1990: pela Resolução SF 62, de 28.12.89, publicada inicialmente em 29.12.89, e republicada em 30.12.89 e 04.01.90;
b) para o exercício de 1991: pela Portaria CAT 91, de 28.12.90, publicada inicialmente em 29.12.90, e republicada em 04.01.91.
Desse confronto de datas, resulta, por parte do recorrente, a arguição de malferimento ao princípio constitucional tributário da anterioridade (artigo 150, inciso III, alínea b, da Lei Maior) em ambos os exercícios.
Responde o fisco, argumentando que as republicações relativas ao IPVA/90 se deram meramente para suprir incorreções, e que inclusive “não abrangeram aeronaves”; e, em relação ao exercício seguinte (1991), afirma que a segunda tabela veiculada também “não alterou nenhum valor já definido antes do início do exercício”, apenas tendo trazido a lume valores resultantes de um cálculo direto do valor devido (“aplicação da alíquota sobre a base de cálculo”).
7. Do exame detido da legislação supra, e dos elementos colacionados no processo, decorre que, efetivamente, não se terá maculado o mencionado princípio constitucional.
Observa-se que, em ambos os casos, as publicações questionadas foram originariamente publicadas dentro do exercício anterior, o que não insere a hipótese no indigitado vetor da Carta Magna.
8. Também não entendo que a exigência de tais valores, constantes de “tabelas” veiculadas por atos administrativos do Executivo, agrida o princípio constitucional da legalidade tributária (art. 150, inciso I da CF).
Ressalto, a propósito, que foi a lei que determinou, expressamente, fosse esta a forma de divulgação anual de base de cálculo do tributo, o que afasta desde logo a propalada eiva de inconstucionalidade, consoante já reconhecido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo ( AC 208.430-2/6, julgada em 18-5-93 por sua 16 ª Câmara Civil,Rel. Des. Pereira Calças) , e AC 206.670-2/6, julgada em 20-12-93 pela 18ª Câmara Civil do mesmo Sodalício, Rel. Des. Theodoro Guimarães).
9. No que respeita à retroação da tabela para fixação do “quantum” devido por veículos mais antigos, verifica-se que a lei originária menciona “dez anos de fabricação”, o que faz com que se inclua no cômputo do decênio, inclusive, o exercício em cujo curso se promove a cobrança do imposto.
De qualquer forma, não me parece plausível, também sob este aspecto, procure o autuado eximir-se do pagamento do imposto por invocação do princípio constitucional da “capacidade contributiva”.
10. Melhor sorte não o socorre quando, com o mesmo intuito, investe contra a “realidade” dos valores inseridos nas tabelas respectivas, chegando a confrontá-los com outras tabelas editadas pelo IRB.
Os elementos a serem considerados para a fixação do valor venal de aeronaves (peso máximo de decolagem e ano de fabricação) acham-se expressamente estabelecidos na própria lei de instituição do tributo, que em nenhum momento admitiu pudessem eles ter como referência quaisquer outras tabelas, ainda que de órgãos oficiais.
11. Razão assiste ao recorrente, contudo, quando se insurge contra a alíquota de 6% (seis por cento) adotada para cálculo do IPVA dos veículos estrangeiros no exercício de l991, em oposição à de 5% (cinco por cento) utilizada em relação às aeronaves nacionais.
Com efeito, aludida discriminação tributária, como de resto qualquer outra que se estabeleça em razão da procedência ou destino de bens e serviços, é expressamente vedada pelo artigo 152 da Constituição Federal.
Aliás, o próprio legislador estadual parece ter-se sensibilizado com tal afronta ao preceito constitucional, na medida em que, através da Lei nº 7.644/91, expungiu referida discriminação da legislação que instituiu e disciplinou o IPVA.
12.Também não merece ser confirmada, in casu, a dupla apenação (punitiva e moratória) carreada ao autuado no presente feito.
A uma porque a infração em comento (“falta de pagamento do imposto”) se compatibiliza, efetivamente, com a multa prevista no artigo 18, inciso I, da Lei nº 6.606/89 (“uma vez o valor do imposto”).
E a duas porque, ainda que assim não fosse, tal cominação estaria a apenar de forma repetida uma mesma infração, a merecer o repúdio de todos os que proclamam o estado democrático de Direito, e a Justiça Fiscal.
13. Face a todo o exposto, dou parcial provimento ao recurso ordinário para o fim de determinar que, relativamente ao exercício de 1991, a alíquota aplicável sobre o valor venal dos veículos seja de 5% (cinco por cento), e para excluir da peça acusatória a multa aplicada com fundamento no artigo 17 da Lei nº 6.606/89 (20%), mantida, quanto ao mais, a exigência consignada no Auto inaugural, inclusive a multa punitiva fundada no artigo 18, inciso I, da mesma Lei (“uma vez o valor do imposto”).
É como voto.
Sala das Sessões, 6 de novembro de l995.
a) Aldo Sedra Filho, Relator
Resumo da Decisão
- Recurso Ordinário - Provido parcialmente o recurso para o fim de: relativamente ao exercício de 1991 aplicar a alíquota de 5% sobre o valor venal dos veículos; excluir da acusação a multa aplicada com fundamento na Lei nº 6.606/89, mantidas as demais exigências do AIIM, inclusive a da multa punitiva.- Decisão unânime - 4ª Câmara Especial - Processo DRT-1 nº8340/92.