AFISCOM

CÂMARAS JULGADORAS
DECISÃO NA ÍNTEGRA


Boletim TIT 296/96, de 19-09-96 - DOE de 19-09-96

FALTA DE RECOLHIMENTO DO ICMS

- DIFERENÇA APURADA EM LEVANTAMENTO FISCAL: ATIVO FICTÍCIO NÃO COMPROVADO
- OPERAÇÕES TRIBUTADAS SEM EMISSÃO DE NOTAS FISCAIS
- PROVIDO O RECURSO -
DECISÃO NÃO UNÂNIME
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Relatório
Trata-se de pedido de revisão interposto pelo contribuinte contra decisão da Colenda 5ª Câmara Especial, em sua anterior composição, que, por unanimidade de votos, deu provimento parcial ao recurso ordinário impetrado pela recorrente para julgar insubsistente o item II e suas exigências, mantendo, todavia, as exigências quanto aos itens I e III do auto de infração em referência.
As acusações mantidas pela decisão revisanda foram as seguintes:
Item I - Ter deixado de recolher o imposto, no exercício de 1990, apurado através de levantamento fiscal, conforme Ficha de Conclusão Fiscal;
Item III - Ter deixado de emitir documentos fiscais relativamente a operações tributadas no mês de fevereiro de 1988.
A recorrente apresenta extemporaneamente novo recurso ordinário, o qual foi admitido e processado como pedido de revisão.
Oferece, como paradigmas e critérios divergentes em suas decisões, os julgamentos ocorridos nos Processos DRT-13 n.º 6930/69; DRT-1 nº 15618/80 e DRT-1 nº 13992/85.
Em relação ao item I, alega que, para proceder ao ajuste, o fisco utilizou o fundamento de que se referia a despesa fictícia arrolada pelo contribuinte e não comprovada, entretanto, sem prova cabal da acusação, ou seja, sem a constatação material justificadora da despesa havida não se pode acoimar a despesa de ficta e não comprovada, em verdadeira presunção “juris tantum”.
Quanto ao item III, alega que a falta de emissão de documentos fiscais, relativamente às operações tributadas, inexiste, haja vista que o próprio demonstrativo elaborado pela fiscalização e anexado ao auto de infração afirma que as duplicatas colocadas em cobrança no mês de fevereiro de 1988 era igual a zero.
Aduz que o fisco se baseou em um lançamento indevido escriturado em seu livro “Diário”, pois, pelo próprio faturamento da empresa e pelo diminuto valor do seu movimento, verifica-se tratar realmente de lançamento estranho à recorrente. Pela análise de todos os livros contábeis e fiscais evidencia-se que a recorrente não efetuou compras de matérias-primas e nem tampouco possuía em estoque volumes grandes que pudessem suportar tamanhas vendas, capazes de gerar valores tão elevados em um único mês, tanto em duplicatas em cobrança, depois duplicatas a receber e, finalmente, o seu recebimento.
Complementa, ainda, informando que o valor lançado é exacerbado se comparado com os demais valores contábeis lançados na sua escrituração, evidenciando ser impertinente o lançamento em seu livro “Diário”.
Argüi, finalmente, que o levantamento fiscal não é o instrumento apropriado para apurar falta de emissão de documentos fiscais, como na presente autuação, eis que, não se comprovou a existência das duplicatas em cobrança e/ou recebidas, assim como a existência física das mercadorias, para que a recorrente houvesse sido autuada sob o fundamento de que deixou de emitir documentos fiscais.
De acordo com o artigo 610 , § 1º, do Decreto nº 33.118, de 14/3/91, a douta Representação Fiscal, através do Dr. Raphael Zulli Neto, manifesta-se brilhantemente às fls.,analisando pormenorizada-mente o presente pedido de revisão.
A seguir, transmito alguns trechos da manifestação exarada pelo Dr. Raphael Zulli Neto que, em nosso entender, são importantes para o conhe-cimento dos nobres pares, sic:-
“...Feitas estas considerações, observamos que, não obstante a intempestividade do recurso interposto e a impropriedade da sua denominação, de seu corpo observamos a indicação de paradigmas, bem como apontada divergência no critério de julgamento dentre as Colendas Câmaras deste Tribunal. Em princípio, caberia opinar pelo não processamento e pelo não conhecimento do apelo formulado, face à intempestividade e à impropriedade de sua denomina-ção. No entanto, após a análise que procedemos e à luz do despacho do Senhor Presidente deste Tribunal, nada temos a opor quanto ao seu processamento, opinando ainda pelo seu conhecimento...”
“Com efeito, o objetivo precípuo do apelo revisional é a uniformização da jurisprudência no Tribunal, pela aplicação da mesma regra de Direito à mesma matéria de fato, em iguais circunstâncias e situação, de forma que a decisão, em casos semelhantes, obedeça à uniformidade isonômica garantida pela nossa Lei Maior...”
“...Os paradigmas apontados têm como fundamento o fato de que o levantamento fiscal é o meio através do qual o fisco se vale para apurar diferenças de imposto e não constatar falta de emissão de documento fiscal...”
...Neste sentido, entendemos deva o presente recurso ser processado e conhecido, à luz do pressuposto da ampla defesa....”
“....Isto posto, e considerando o quanto foi exposto, apesar de não estarem presentes, na íntegra, os pressupostos de cabimento do presente Pedido de Revisão, somos pelo seu conhecimento, porém quanto ao mérito somos pelo seu desprovimento, por tratar-se no caso de reexame de prova e por não caracterizada a divergência no critério de julgamento....”
É o relatório.
VOTO
Acompanhando o entendimento esposado pelo Representante Fiscal, conheço do Pedido de Revisão, por entender que duas das três decisões colacionadas aos autos como paradigmas discorrem sobre julgados análogos aos presentes e com critérios divergentes em suas razões de decidir.
Assiste razão à Repre-sentação Fiscal ao entender que não estavam presentes os pressupostos de admissibilidade do pedido de revisão, somente em relação ao Processo DRT-1 nº.13992/85, cujo Relator, José Etuley Barbosa Gonçalves, dá provimento ao recurso ordinário interposto pelo contribuinte, só que em matéria totalmente estranha à presente lide, ou seja, discutia-se as vias dos documentos fiscais exigidos pela legislação para acompanhar as mercadorias em seu transporte.
Entretanto, os outros dois processos indicados pela recorrente como paradigmas, “data máxima venia” do Representante Fiscal Raphael Zulli Neto, assemelham-se aos presentes autos.
O processo DRT-13 nº 6930/69 foi relatado pelo ex Juiz deste Solidalício, Dr. Guilherme Graciano Gallo, que assim se pronunciou, sic:-
“....Temos entendido que o levantamento fiscal é o meio através do qual o fisco se vale para apurar diferença de imposto e não constatar falta de emissão de documentário fiscal, pois esta só poderia se constatar com a presença física da mercadoria e por confissão do próprio infrator ou do destinatário da mercadoria....”
Nesta mesma esteira de raciocínio conclui o Juiz, que ainda hoje compõe o nosso Plenário, Dr. Odair Paiva, no Processo DRT-1 nº 15618/80, que assim se manifestou, sic:-
“....Deve-se, ainda, ter em mente, que levantamento fiscal não é o meio hábil para se apurar falta de emissão de documento fiscal e nesse sentido já conclui a 1ª Câmara deste órgão, no Processo DRT-13 nº 6930/69....”
Pelo exposto, conclui-se que nos dois processos citados a matéria é a mesma que se discute no item III do presente feito e com conclusões divergentes da decisão revisanda.
O agente fiscal autuante, ao se deparar com o lançamento efetuado no livro Diário nº. 01, às fls., do dia 29 de fevereiro de 1988, entendeu-o como emissão de duplicatas e que as mesmas foram colocadas em cobrança bancária. Com esse entendimento, lançou mão do valor retromencionado e diminuindo-o do saldo existente em 31 de dezembro de 1987 na conta “Duplicatas em Cobrança”, apurou uma diferença transportando-a para os itens “1.4 - Resultado Bruto”, e “1.6 Vendas”, constantes da ficha de conclusão fiscal considerando-a como diferença apurada; todavia, no corpo do auto descreveu e capitulou como infração praticada pelo recorrente a falta de emissão de documentos fiscais relativamente a operações tributadas no mês de fevereiro de 1988, aplicando a penalidade prevista para as infrações relativas aos documentos fiscais, ou seja, o artigo 492 - inciso IV - alínea “a”, do RICM aprovado pelo Decreto nº 17.727, de 25/09/81.
Apurando o fisco diferença através da contabilidade, como apurou, sem adentrarmos no mérito do lançamento que deu azo à presente autuação, o qual é uma heresia contábil - necessariamente seria uma diferença de levantamento, mas, jamais falta de emissão de documentos fiscais.
Além do mais, em se considerando a irregularidade apurada como falta de emissão de documentos fiscais, o fisco procedeu a atualização monetária da importância reclamada no “Demonstrativo de Débito Fiscal” a partir da data da contabilização do livro “Diário”, ou seja, a partir do mês de fevereiro de 1988, cometendo mais um vício por ocasião da lavratura do auto de infração.
Entendendo os paradigmas apresentados pela recorrente como gênero, isto é, lançamentos indevidos levados como diferença de levantamento para a ficha de conclusão fiscal como meios indiciários, conheço o pedido de revisão interposto com os mesmos paradigmas trazidos aos autos para análise do item I do auto vestibular.
A questão a ser dirimida neste item não se trata pois, de reexame de provas, mas sim, de discussão de tese. E, em assim sendo, nada mais apropriado submeter à apreciação e debate pelas Câmaras Reunidas o assunto em tela.
Como já foi dito no início deste relatório, o item I refere-se à falta de recolhimento do imposto no exercício de 1990, apurada através de levantamento fiscal, conforme ficha de conclusão fiscal, correspondente a despesa fictícia arrolada pelo contribuinte e não comprovada.
Detectou o agente fiscal, através de pesquisa realizada no livro “Diário” nº. 01, que, no dia 31 de dezembro de 1990, houvera sido registrada a nota fiscal nº. 14, cujo emitente foi declarado, posteriormente, pelo fisco, como inidôneo, correspondente a 2000 metros quadrados de carpete, cuja importância foi escriturada a débito da conta “Materiais de Consumo e Auxiliares”, portanto, conta de despesa e de resultado, cuja contrapartida foi a conta “Caixa”.
A fiscalização procedeu à verificação física, tendo constatado a inexistência dos materiais adquiridos e de que o estabelecimento possuía, somente, uma área total de aproximadamente 150 metros quadrados.
Ora, as diferenças de levantamentos fiscais são infrações indicativas de que as mesmas foram apuradas através de meios indiciários, levando-se em consideração a presunção de omissão de receitas - no caso presente vendas - ou seja, que o contribuinte não emitiu os respectivos documentos fiscais, não registrando, pois, as vendas realizadas e, em conseqüência, omitindo a entrada do respectivo numerário em suas disponibilidades mediata e imediata, cuja conclusão leva supor a inexistência de saldo suficiente para registrar os pagamentos, já realizados, de suas obrigações.
Convém esclarecer que no presente caso não se trata de ativo fictício, onde se poderia pensar em um bem que foi alienado e não dado baixa no patrimônio da empresa, mas sim, de importância lançada diretamente em conta de despesa e com reflexo direto no resultado do exercício, provindo, em conseqüência, um lucro líquido a menor com influência direta no cálculo do imposto de renda, mas nada tendo a ver com o imposto de circulação de mercadorias.
Ressalte-se, finalmente, que o valor desembolsado foi devidamente escriturado a crédito da conta “Caixa”, reduzindo assim, o saldo de suas disponibilidades, não configurando em hipótese alguma a presunção de omissão de receitas.
Assim, em face às razões expendidas e tendo em vista tudo o mais que dos autos consta, “dou provimento” ao pedido de revisão interposto pela recorrente, em relação aos itens I e III do auto em referência e constantes da decisão revisanda.
Plenário Antonio Pinto da Silva, 13 de julho de 1995.
Francisco Emílio Napoli Juiz Relator
VOTO EM SEPARADO
Pedi vista do presente processo porque pareceu-me, quando dos debates instaurados neste Plenário, que a apreciação efetuada pelo Relator do pedido revisional configurou não reexame e sim valorização das provas, sobre as quais foram erigidas as duas acusações fiscais ainda pendentes de decisão final.
A do item I do AIIM é concernente à diferença apurada em levantamento fiscal e a prova produzida pelo fisco faz certa a existência de “despesa fictícia”. No último dia do último mês do ano de 1990, o contribuinte contabilizou pagamento de mercadoria inexistente em sua posse, constando como vendedora a firma não mais em atividade; em outras palavras, no livro Diário figura lançamento datado de 31-12-90, a débito da conta “Materiais de Consumo e Auxiliares” e a crédito da conta “Caixa”, lastreado em Nota Fiscal que documenta a compra de 2000 metros quadrados de carpete: a área total do estabelecimento fiscalizado é de aproximadamente 150 metros quadrados, a nota fiscal questionada é datada de 20-12-90 e o pseudo-emitente cessou atividades cerca de ano e meio antes, isto é, 30-05-89. A partir desse lançamento contábil, inferiu-se, via levantamento fiscal, “omissão de receita”.
Portanto, há um fato provado, o da contabilização de “despesa fictícia”, e um fato presumido a partir desse fato provado, o da “omissão de receita”. Se agora fosse instaurada discussão sobre o fato provado, estar-se-ia reexaminando a prova, o que não é próprio dessa fase recursal. Mas o relator com propriedade aponta equívoco que desautoriza ter-se por ocorrido o fato presumido; assim, a discussão que se instaura é a de se a partir do fato provado pode-se ou não chegar por interferência ao fato presumido apontado pelo fisco. Logo, o que se discute é a valoração da prova. Em suma: provada a ocorrência de “despesa fictícia” pode-se presumir a ocorrência de “omissão de receita”?
O Relator entende que não, e está com razão, pois a contabilização de despesa inexistente afeta não o lucro bruto e sim o lucro líquido, evidentemente. O pseudopagamento da “despesa fictícia” escrituralmente se fez com receita contabilizada; ora, receita contabilizada não é receita omitida, evidentemente. Logo, a prova da existência de “despesa fictícia” não leva à presunção de que tenha ocorrido “omissão de receita”. Consequentemente, a acusação fiscal constante do item 1 do auto de infração é improcedente.
Quanto ao item III do AIIM, a outra acusação que resta pendente de decisão final, concerne a falta de emissão de nota fiscal. A prova produzida nos autos faz certa a existência de lançamento a título de “duplicatas de cobrança”, efetuado em 29-02-88 no Livro Diário. Do valor lançado, o fisco deduziu o do saldo inicial do exercício da conta correspondente, e a diferença foi lançada como “ajuste” na Ficha de Levantamento Fiscal relativa ao período de 01-01 a 31-12-88; o valor do “ajuste” acresceu o do “resultado bruto” e, por consequência, o do “valor de confronto”. Cumpre observar que a referida ficha depois de preenchida sofreu alteração, de modo que a “diferença apurada” de montante igual ao do “ajuste” veio a ser “zerada”, em decorrência de ter-se também somado o valor do “ajuste” ao de “vendas”, o que fez com que este ficasse igual ao “valor de confronto”. Essa alteração na ficha de Conclusão Fiscal só pode ser fruto do reconhecimento de que o levantamento fiscal não é meio hábil para se apurar falta de emissão de nota fiscal, sendo essa a jurisprudência deste TIT, como se observa nos acórdãos referentes aos Processos DRT-1 nº 15618/80 e DRT-13 nº 6930/69, apontados pelo recorrente; por meio de levantamento fiscal apura-se a diferença de movimento real tributável, ou seja, “omissão de receita”, que até prova em contrário tem-se como proveniente de operações ou prestações tributadas pelo ICMS. Falta de emissão de documento também não pode ser apurada mediante o simples exame da escrituração contábil, como salientado pelo Relator. O contribuinte afirma que o lançamento de valor relativamente tão alto a título de “duplicatas em cobrança”, na escrituração contábil de sua empresa, só pode ser indevido, porquanto seus livros contábeis e fiscais demonstram a inexistência de condições materiais para a realização de vendas suficientes para totalizar montante assim elevado em um único mês. De qualquer forma, referido lançamento contábil, conforme ou não com a realidade, somente indicava que verificações deveriam ser procedidas, analiticamente, para apurar suas origens. Impunha-se o exame de cada uma das duplicatas emitidas. O Autuante afirma que a supressão desse lançamento contábil levaria a saldo credor da conta “Caixa”; contudo, não demonstrou tais insuficiências. Mais uma vez, de um fato provado o fisco chegou a um fato presumido, sem que aquele guarde com este o que em lógica denomina-se “relação de inferência”. (“A relação existente entre dois elementos, dos quais um decorre e depende do outro, chama-se relação de inferência”. Goffredo Telles Júnior, in “Tratado da Consequência”, J. Bushatsky - Ed. 1962, página 209). Tomando-se por premissa o factum probatum não se tem por consequente o factum probandum.
Configura-se destarte, em uma e outra das acusações fiscais, violação do Direito Probatório. Diante de violação da espécie, Mestre Baleeiro assinala ter a decisão recorrida “delirado” quanto à eficácia de determinada prova (RE nº 78.036 - GO; RTJ 72/476). A doutrina registra que “não constitui matéria de fato, mas de Direito, a valoração jurídica das provas” (Ulderico Pires dos Santos, in Teoria e Prática do Recurso Extraordinário Cível”, Forense, RJ, 1977, página 22 a 25). Neste Plenário, a questão de valoração das provas tem sido reconhecida como matéria jurídica, possível portanto de ser apreciada em sede de pedido revisional. Versando o assunto, destaco o acórdão referente ao Processo DRT-1 nº 21317/91, julgado recentemente por estas Câmaras Reunidas (sessão de 03-10-95).
Quanto à fungibilidade dos recursos e à intempestividade da interposição, adoto o parecer da Representação Fiscal, tendo presente, inclusive, o preconizado no artigo 5º. do Regimento Interno desta Corte.
Posto isso, conheço do apelo do contribuinte e dou-lhe provimento.
Plenário Antonio Pinto da Silva, em 31 de outubro de 1995
a) Raphael Moraes Latorre,
Juiz com vista
Resumo da Decisão - Pedido de revisão do contribuinte. Provido Decisão não unânime. Processo DRT-1 nº 9110/91, julgado em sessão de Câmaras Reunidas.