Relatório
1. Trata-se de recurso ordinário interposto contra a decisão de fls. que manteve integralmente o AIIM vestibular onde a ora recorrente é acusada de ter-se creditado indevidamente, sem previsão legal, diretamente no Livro Registro de Apuração do ICMS mod. 9 nº 02, de correção monetária pela UFESP, aplicada ao saldo credor.
2. Defendeu-se e recorreu a autuada sustentando a lisura de seu procedimento, fundado que foi no sistema jurídico tributário e na decisão do TJSP, que reconheceu o direito à correção monetária do crédito extemporâneo.
3. Instado a manifestar-se, o AFR autuante sustentou a manutenção de seu trabalho, fundado que foi na legislação de regência. Observa ainda, que a hipótese apreciada pelo TJSP não é igual a destes autos, não sendo possível à recorrente invocá-la em seu favor.
4. Também a Representação Fiscal opinou pela manutenção do AIIM vestibular, invocando para tanto o voto proferido no Processo DRT-6 nº 2303/92, pela 2ª Câmara deste Tribunal, em sessão de 31-05-94, da lavra do Juiz Celso Alves Feitosa.
É o relatório.
VOTO
Conheço o Recurso Ordinário interposto e, no mérito, dou-lhe integral provimento.
Com efeito.
5. Para análise de questão deste jaez impõe-se, inicialmente, explicitar que defendo a posição consoante a qual deve ser apreciada em sede administrativa, matéria constitucional, sob pena de se consagrar normas infraconstitu-cionais, absolutamente despidas de fundamento de validade.
6. Justificando este meu ponto de vista, hoje já admitido pelo Plenário deste Tribunal, permito-me reproduzir parte do voto proferido pelo Juiz Luiz Fernando de Carvalho Accacio, no Processo DRT-5 nº 2293/91:
"A dúvida que resta, no séquito dessa conclusão, é se os Tribunais Administrativos podem reconhecer a inconstitucionalidade de lei para obstar a cobrança de imposto.
A resposta a essa indagação parece-me que haverá de ser necessariamente afirmativa.
Os órgãos julgadores administrativos não flutuam ao largo da imperatividade da Cons-tituição. Devem-lhe obediência. E não uma obediência em segundo plano, com preferência pela legislação ordinária, mas uma serviência de primeiro grau.
Manifestando-se sobre o tema, em conferência proferida nesta Casa, Gilberto de Ulhoa Canto assim se manifestou: (...) A idéia de que o tribunal, ou órgão administrativo com função jurisdicional, não pode deixar de aplicar a lei por inconstitucional, ou o regulamento por ilegal, ou portaria por contrária ao regulamento, baseia-se num engano fundamental ... e num argumento respeitável. O engano consiste em supor que desse ato decorrem efeitos que a Constituição reserva para o pronunciamento dos tribunais judiciais, pela maioria absoluta da totalidade dos seus membros. Na verdade, não se trata disso. Trata-se de sopesar regras e dar aplicação àquela que tem hierarquia maior. Então, acho absurdo que se diga que um Conselho de Contribuintes ou Tribunal de Impostos e Taxas podem julgar o ato da autoridade administrativa desconforme com a portaria, a portaria desconforme com a ordem de serviço, a ordem de serviço desconforme com o regulamento ... mas não podem dizer que o regulamento está contra a lei e, o que é pior, não podem dizer que a lei está contra a Constituição. Então, o processo cognitivo desses órgãos é um processo cognitivo limitado; a competência deles, em termos intelectuais, é de subir só até o terceiro andar, quando o que está verdadeiramente governando tudo é o que está no quinto andar, então isso não é fazer justiça". ("Do Processo Administrativo Tributário", ed. da Secretaria da Fazenda de São Paulo, SP, 1975, pg. 103).
7. Estabelecia a legislação estadual vigente à época dos fatos, que houvesse a escrituração pelo valor nominal dos débitos do ICMS e, em contrapartida, a conversão do saldo devedor, para a UFESP, corrigindo-o.
8. Este procedimento, ao que me parece, fere a compensação prestigiada pelo Princípio Constitucional, vetor do ICMS, que é o da não-cu-mulatividade, a medida em que valores nominais eram compensados com valores corrigidos.
9. É de evidência solar que a proibição de correção dos créditos do ICMS, então vigente, afronta o regime de compensação determinado pela Carta Constitucional, o qual para ser corretamente aplicado deve, exige, que se considere contas as quais aplicou-se o mesmo critério de apuração.
10. Vale dizer, deve-se ter obrigações da mesma natureza e não, de natureza distinta, como previa a legislação bandeirante à época. De um lado, obrigação de dinheiro e, d'outro obrigação de valor.
11. Ora, evidente que tal procedimento fere de morte, também, ao sobre-princípio da isonomia, à medida em que privilegia, sem qualquer nexo lógico causal, o Estado em detrimento do cidadão.
12. A propósito, trazemos a lição sempre clara e precisa do Prof. Roque Antônio Carrazza:
"Logo nos dias que ora correm os tributos, no Brasil, devem ser instituídos e arrecadados sem ferir a harmonia entre direitos do Estado e os direitos de cada um do povo.
Não é porque o Estado, para sobreviver, precisa de meios pecuniários (dinheiro) que os contribuintes podem ter seus direitos atropelados. ( ... )
A lei tributária deve ser igual para todos e a todos deve ser aplicada com igualdade. Melhor expondo, quem está na mesma situação jurídica deve receber o mesmo tra-tamento tributário. Ser inconstitucional - por burla ao princípio republicano e ao da isonomia - a lei tributária que selecione pessoas, para submetê-las a regras peculiares, que não alcançam outras, ocupantes de idênticas posições jurídicas". (in "Curso de Direito Constitucional Tributário, Ed. Revista dos Tribunais, 1991, pags. 50/53).
13. Feitas estas breves considerações sobre os princípios constitucionais nos quais encontra o ICMS seu fundamento de validade, passamos a análise do fenômeno da correção monetária, que tem por objetivo, única e exclusivamente, manter o valor da moeda, face aos efeitos corrosivos da inflação. Nada mais.
14. Tese esta, aliás, aceita com tranqüilidade pela melhor doutrina e jurisprudência, que consideram que a correção monetária não importa em acréscimo do valor sobre a qual ela incide, constituindo-se em instrumento para representar, excluído o efeito inflacionário, o mesmo valor.
15. De se lembrar, a propósito, que o Supremo Tribunal Federal, também já aceitou a correção monetária como mera reposição do valor nominal da moeda.
"Decidindo o Judiciário pela existência do crédito, em favor do contribuinte, como decidiu, não há como deixar de mandar incidir a correção monetária, que não é nenhum acréscimo e sim mera atualização". (RE nº 114.574-9/SP).
16. Também este Tribunal, no processo DRT-1 nº 11028/89, julgado pela 1ª Câmara Especial, em 24 de junho de 1992, manifestou-se favoravelmente a correção monetária dos cré-ditos extemporâneos, na esteira dos Embargos de Divergência ao Recurso Especial nº 1.472-RS, interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul, julgados pelo Superior Tribunal de Justiça, em 21 de agosto de 1990, cuja ementa transcrevemos:
"TRIBUTÁRIO. ICM. MATÉRIA PRIMA IMPORTADA COM ISENÇÃO DO TRIBUTO, ANTES DA EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 23/83.EMBARGOS DE DIVERGÊN-CIA. ACÓRDÃO DA EGRÉGIA SEGUNDA TURMA, QUE RECONHECEU AO ADQUIRENTE O DIREITO AO RES-PECTIVO CRÉDITO FISCAL DEVIDAMENTE CORRIGIDO. DIVERGÊNCIA DEMONS-TRADA. RELATIVAMENTE A PRECEDENTES DA EGRÉGIA PRIMEIRA TURMA.".
Uniformização que se opera em favor da tese consagrada na decisão embargada. Correção Monetária irrecusável, em face dos efeitos da inflação sobre o crédito que o contribuinte não pode desfrutar no devido tempo, em razão de embargos opostos pelo fisco. Ausência de óbice legal ao reconhe-cimento, em ação declaratória, de direito subjetivo a crédito fiscal pelo respectivo valor corrigido.
Embargos rejeitados".
17. Esclareço, por fim, que a correção monetária pretendida pela recorrente foi feita com base no índice aceito como tal pelo Decreto nº 38.355/93, qual seja, a UFESP.
18. Não bastassem as razões até aqui expendidas, tenho para mim como correto e igualmente aplicável à hipótese destes autos o entendimento expendido pelo Doutor Luiz Álvaro Fairbanks de Sá, no Processo DRT-1 nº 11062/93, em que reconheceu o direito do contribuinte à correção monetária com base no artigo 106 do CTN, que prestigia a aplicação da lei nova ao ato ou fato pretérito, tratando-se de ato não definitivamente julgado, quando deixa de defini-lo como infração. Vale dizer, em nome do princípio da retroatividade benéfica da lei.
19. Argumento este, que fundou o voto proferido pelo Doutor Hélio Mendonça no Processo DRT-1 nº 4554/93, acompanhado à unani-midade por seus pares.
20. Qualquer das teses que se adote implica no reconhecimento ao direito à correção monetária do crédito, sendo irrelevante ser ele realizado na época própria ou extemporânea.
21. Estas as razões pelas quais dou integral provimento ao recurso.
Sala das Sessões, 15 de agosto de 1995.
a) Cláudia Junqueira de Almeida Prado, Relatora.
VOTO EM SEPARADO
Pedi vista dos presentes autos, para melhor analisar a matéria.
Na inicial, a recorrente foi acusada de apropriar-se indevidamente, de valor de correção monetária, aplicada sobre saldo credor apurado em sua escrita fiscal.
Nas judiciosas razões da Relatora Cláudia Junqueira de Almeida Prado, seu voto conclui pelo provimento do recurso interposto pela recorrente, reconhecendo, assim, o direito à apropriação do valor de correção monetária sobre saldo credor, por entender que cabe "reconhecimento ao direito à correção monetária do crédito, sendo irrelevante ser ele realizado na época própria ou extemporânea".
Com a devida vênia da Juíza relatora, ouso discordar.
Frise-se, por oportuno, que o período a que se refere a peça exordial, encontra-se anterior à edição do Decreto nº 38.355/94, datado de 29.01.94, que tratou sobre a apuração do ICMS em quantidades de UFESPs.
O fato do Decreto nº 38.355/94, autorizar a apuração do imposto em quantidades de UFESPs, não importa em gerar efeito retroativo, de modo a validar a aplicação de correção monetária sobre o saldo credor, anterior à norma reguladora.
O que se vislumbra no Decreto nº 38.355/94, é tão somente a alteração de critério para apuração do imposto, o que antes era declarado pelo valor nominal, hoje é declarado em UFESPs, sendo o seu saldo, caso seja devedor, reconvertido em moeda nacional à data do pagamento, ou, caso seja credor, transportado para o período seguinte.
Como se sabe, a escrituração dos livros fiscais se dá pelo valor nominal constante dos documentos fiscais, obedecendo o princípio da não-cumulatividade do imposto, de tal sorte que, ao final de cada período, o contribuinte apure e recolha, o imposto sobre o valor acrescido.
À época em que ocorreram os fatos tratados na inicial, o critério para apuração do imposto seguia-se pela forma escritural, qual seja, os valores constantes nos documentos fiscais.
Entendo, pois, que o procedimento da recorrente, em atualizar o saldo credor apurado, não encontra respaldo legal, por conseguinte, incorreta a sua atitude.
Isto posto, com a devida vênia da Juíza relatora, meu voto é no sentido de negar provimento ao recurso, mantendo-se incólume a decisão recorrida.
Sala das Sessões, 29 de agosto de 1995.
a) Reinilson Teles dos Santos,
Juiz com vista
Resumo da Decisão - Recurso Ordinário - Provido integralmente - Decisão não unânime - 7ª Câmara - Processo DRT-5 nº 1587/94.