AFISCOM

CÂMARAS JULGADORAS
DECISÃO NA ÍNTEGRA


Boletim TIT 292/96 de 18-05-96.

MULTA

- Indevida a cobrança das multas punitivas e moratórias, baseada no artigo 5º, item I, das Disposições Transitórias da Lei nº 6.374/89, desde que haja recolhimento do ICMS corrigido monetariamente, dentro do prazo fixado
- Processo SF nº 5790/95.

O Senhor Coordenador da Administração Tributária solicita parecer deste E. Tribunal, nos termos do despacho exarado às fls. do processo DRT-1 nº 07137/85, assim transcrito:

"Os presentes autos vieram a este Gabinete em face da divergência de entendimento sobre a exegese do artigo 5º, I, das Disposições Transitórias da Lei nº 6.374/89.

O entendimento da DDA, que invoca a decisão do Tribunal de Impostos e Taxas, é que não só as multas moratórias, como também as multas punitivas estão abrangidas pelo referido dispositivo legal em questão.

Contrariamente é a posição da Procuradoria Geral do Estado que, ao ressaltar o parecer da Procuradoria Fiscal, se manifesta o sentido de que as multas punitivas não estão abrangidas pelo referido dispositivo.

Com vista ao artigo 4°, "b", c/c o artigo 44 do Regimento Interno do Tribunal de Impostos e Taxas, encaminhe-se-lhe o presente processo."

Considerando o interesse que a matéria representa e, também a necessidade de ser a mesma submetida à apreciação da Câmaras Reunidas, recebi o presente para emitir o seguinte
Parecer

No processo em pauta (DRT-1 nº 7137/85), a Diretora da Dívida Ativa - Juíza Neide Monteiro constatou que a empresa autuada, em 31.03.89, havia efetuado recolhimento de ICM, com a devida correção monetária, relativamente a operações ocorridas até 31.12.87, atendendo, assim, o disposto no artigo 5º, I, das Disposições Transitórias da Lei Estadual nº 6.374. de 01.03.89 (que instituiu o ICMS no Estado de São Paulo), ficando dispensada de multas, juros e acréscimos.

Entendendo correto o recolhimento, e pelo fato do contribuinte não possuir outros débitos, determinara o cancelamento da certidão, assinalando, ainda, o seguinte:

"1. Entende esta Diretoria que a dispensa contida no artigo 5º, das Disposições Transitórias da Lei nº6.374, de 01.03.89, abrange todas as multas.

Quisera o legislador restringir, assim o teria feito explicitamente, como também, não usaria a expressão multas, no plural.

2. A intenção do legislador em considerar a soma dos valores do imposto e da multa como valor do debito o foi para o artigo 4º das Disposições Transitórias, e para assim, demonstrar, nesse sentido dipôs expressamente.

3. Mantendo a informação de fls. restituo à PF-7."

Recentemente (despacho de 23.02.95), o Diretor da DDA Juiz Sérgio Mazzoni, assim se manifestou:

"3. Entende esta Diretoria, e assim, também decisão do Tribunal de Impostos e Taxas, ao contrário da Procuradoria Fiscal, que as multas punitivas também foram dispensadas."

A celeuma levantada circunscreve-se à interpretação, alcance e aplicação da referida norma, disposta nos termos seguintes:

"Artigo 5º - Os débitos do Imposto de Circulação de Mercadorias não abrangidos' pelo artigo anterior, relativos a operações ocorridas até 31 de dezembro de 1987, corrigidos monetariamente, poderão ser pagos:

I - Integralmente até o dia 31 de março de 1989, com dispensa de multas, juros e acréscimos."

Utilizando-se o vocábulo "multas", no plural, há evidência manifesta, categórica, objetiva e até mesmo dogmática, que o legislador pretendeu abranger qualquer espécie de sanção (multa punitiva e multa moratória). A simples leitura do texto - que até dispensa qualquer tipo de interpretação - permite vislumbrar sua abrangência ao amplo quadro de multas dispostas na legislação do ICMS, independente de sua específica natureza.

Assim, tanto as "moratórias", que decorrem do simples atraso no recolhimento do tributo, visando a real compensação de prejuízos financeiros sofridos pelo Estado; com também, "penais" constituindo sanções repressivas e objetivando punir o devedor por infração tipificada na legislação, enquadram-se rigorosamente no espectro legal em comento.

Outrossim, não se pode pretender vislumbrar equívoco do legislador, mediante a utilização do vocábulo multas (no plural), ao invés de multa (no singular), porque, até mesmo uma interpretação teleológica, permitiria configurar a dispensa de todas as espécies de multas.

Com efeito, a finalidade da regra jurídica em pauta foi, certamente, angariar recursos ao Erário (ICMS em seu valor integral, ou seja, devidamente atualizado), o que, possivelmente, não seria conseguido se, também, as multas punitivas tivessem que ser recolhidas (com correção), uma vez que, normalmente, implicam em valores significativos, e, em certos casos, superiores ao imposto. Nessa situação, somente remasneceria a dispensa de juros e acréscimo, isto é, valores sem expressão.

Em consequência, se pudesse prevalecer a exigência penal, certamente o objetivo colimado na norma ficaria frustrado, e, provavelmente, sem efetiva aplicação.

Acresce ponderar que o Poder Público tem o "imposto", como fonte de receita derivada inserido em suas previsões orçamentárias, o mesmo não ocorrendo com as multas punitivas.

Por outro lado, não há, data vênia, cabal respaldo jurídico nas assertivas lançadas pela Procuradoria, como se passa a demonstrar.

Realmente, o fato do artigo 4º, das mesmas Disposições Transitórias haver disposto que, somente seriam cancelados os débitos oriundos de auto de infração e imposição de multa, desde que a soma dos valores do imposto e da multa fosse igual a Ncz$ 0,50 (cinquenta centavos de cruzado novo), não significa que, em todos os casos previstos nas referidas DDTTs, deva-se levar em conta a somatória do imposto e da multa punitiva.

Em primeiro lugar, nada obriga que os dois preceitos (artigos 4º e 5º das Disposições Transitórias à lei nº 6.374/89) tenham tratamento uniforme, mormente em se considerando que dispõem sobre situações distintas: (a) o artigo 4º concerne a "cancelamento" de débitos de pequena monta, onde as "mens legis" se revelam no arquivamento dos processos, a fim de evitar custos certamente desnecessários, em situações que não tem como comportamento o ingresso no Tesouro; enquanto que o (b) - artigo 5º - cogita de "liquidação ou parcelamento", objetivando-se o percebimento de valores relativos ao ICMS (atualizado), ou seja, finalidade nitidamente diversa.

Assim, não há sequer cogitar-se de aplicação equalitária ou sistemática, diante de fatos e objetivos legais nitidamente diferenciados.

Finalmente, não socorre cabal fundamento na afirmativa de que a multa integra o valor do débito (para efeito de aplicação do artigo 5º), uma vez que as demais verbas decorrentes de infração tributária (juros e acréscimos) também comporiam o débito. E, nesse passo, não se compreenderia a razão de incluir-se no débito as multas punitivas, excluindo-se as moratórias, salvo se considerando as diferenças normais de valores.

Em que pese o esforço pautado pela Procuradoria, não se encontra amparo jurídico para exigir-se o recolhimento do valor correspondente à multa punitiva, para efeito de aplicação do artigo 5º, I, das Disposições Transitórias à lei do ICMS, especialmente porque a norma em causa utiliza o vocábulo no plural, sendo oportuna a referência ao brocardo: "não é lícito ao intérprete distinguir onde a lei não distingue".

Ressalte-se que o TIT já teve oportunidade de decidir no sentido de que "não há como se negar ao contribuinte, ante o dispositivo legal mencionado, a dispensa da cobrança da multa e dos juros de que trata o presente processo. O arquivamento dos autos é medida que se impõe, pois extinto e excluído o crédito, por pagamento, remissão e anistia". ( Processo DRT-11 nº 4212/88, julgado em sessão da 7ª Câmara de 26.10.89, Relator Sérgio Mazzoni - Ementário do TIT de 1990, página 245, ementa nº 554).

Face ao exposto, entendo que, para a aplicação do disposto no artigo 5º, I, das Disposições Transitórias à Lei nº 6.374 de 01.03.89, o contribuinte encontra-se obrigado ao recolhimento dos débitos do valor do Imposto de Circulação de Mercadorias, relativo a operações ocorridas até 31 de dezembro de 1987, corrigidos monetariamente, ficando dispensado das multas de quaisquer natureza (inclusive punitivas e moratórias), juros e acréscimos. Assim, no processo DRT-1 nº 07137/85, devem prevalecer as manifestações da Diretoria da Dívida Ativa.

É o meu parecer

Sala das Sessões, em 29 de junho de 1995.

a) José Eduardo Soares de Melo
Juiz Relator

Parecer em Separado

Em função de controvérsia acerca do significado do artigo 5º, inciso I, das Disposições Transitórias da Lei estadual nº 6.374/89, solicita-se parecer deste Tribunal sobre o alcance do dispositivo, assim redigido:
"Artigo 5º - Os débitos do Imposto de Circulação de Mercadorias não abrangidos pelo artigo anterior, relativos a operações ocorridas até 31 de dezembro de 1987, corrigidos monetariamente, poderão ser pagos:

I - integralmente até o dia 31 de março de 1989, com dispensa de multas, juros e acréscimos."

Cuida-se de saber se o pagamento aludido deve se limitar ao valor do imposto monetariamente corrigido, como entende a DDA, ou deve compreender também as multas punitivas, como entendeu a Procuradoria Fiscal, com endosso da Procuradora que respondia pelo o expediente da Subprocuradoria Geral do Estado para a Área do Contencioso.

A celeuma, ao que parece, originou-se do fato do artigo 4º das mesmas Disposições Transitórias, ao cuidar do cancelamento dos débitos fiscais, ter explicitado que estes abrangiam imposto e multa.

No entanto, conforme bem demonstrado pelo parecer da Dra. Magali Jurema Abdo, e ratificado no voto do relator José Eduardo Soares de Melo, os dois dispositivos tratam de hipóteses diferentes.

O citado artigo 4º concede remissão para débitos fiscais de pequeno valor, explicitando, vez que tal conclusão já decorreria da precisa abordagem conceitual, que a expressão débito fiscal compreende não só o imposto, mas também as multas, conquanto seja certo que a análise sistemática do diploma legal deixe claro que o legislador se referia apenas às multas punitivas, não às moratórias.

O enfocado artigo 5º, ao contrário, cuida de uma anistia condicionada ao pagamento corrigido dos débitos do Imposto de Circulação de Mercadorias, em consequência do qual ficariam dispensadas multas, juros e acréscimos.

A orientação do Subprocurador Geral do Estado para a Àrea do Contencioso, vazada no Ofício Sub. G nº 045/89 bem captou o alcance dos mencionados dispositivos, ao asseverar que o cancelamento referido no artigo 4º deveria levar em consideração o valor do imposto e da multa punitiva e que a norma do artigo 5º não se aplicava às multas cobradas isoladamente, pois neste caso seria inviável o atendimento da condição - o pagamento do ICM atualizado - imprescindível à fruição da anistia.

Não se cuidou, na ocasião, de uma terceira hipótese, justamente a ora discutida, atinente à necessidade, ou não, do pagamento previsto no artigo 5º englobar as multas punitivas.

Errônea, pois, a posição, então adotada pela Procuradoria Fiscal, de entender necessário o pagamento com inclusão das multas punitivas com suposto alicerce no mencionado Ofício Circular. Melhor seria se encampasse as lúcidas ponderações da Dra. Magali, quem, extraindo daquele Ofício Circular seu exato significado, obtemperou com autoridade:

Contudo, referido Ofício Circular, ao se manifestar sobre o artigo 5º das Disposições Transitórias da Lei, tampouco deixou de reconhecer que o dispositivo facultou ao contribuinte pagar o seu débito, corrigido monetariamente, até 31.03.89, integralmente, com dispensa de juros, multas (negrito no original) e acréscimos (inciso I), ou com redução proporcional da multa (incisos II e IV). Ora, sabe-se que, embora a anistia não compreenda o valor devido a título de imposto, constitui perdão, ou seja, se refere justamente à extinção da punibilidade, ou seja, aniquila a infração à lei, reduzindo-se, portanto, praticamente, a casos de falta do pagamento ou impontualidade no pagamento do tributo ou penalidade (Bernardo Ribeiro Moraes, Compêndio de Direito Tributário, Forense, 1987, página 590), aliás, como ocorre na espécie em análise.

Assim, se anistia fiscal é apagar da lembrança, é esquecer, é perdoar (op. cit.) infrações tributárias, parece claro, s.m.j. que se não houve infração (porque esquecida, perdoada, etc.) torna-se impossível manter incólume a multa punitiva, até porque restou apagado o fato contrário à legislação que deu origem à sua imposição.

Realmente, sendo o propósito do preceito em análise conceder anistia condicionada, emerge que, atendida a condição prevista, o objeto da anistia, a multa, não pode subsistir.

Essa exegese conceitual encontra reforço também na abordagem literal, pois, como acentado pela Dra. Neide Monteiro, ao defender que a dispensa abrange todas as multas, "quisera o legislador restringir assim o teria feito expressamente, como também não usaria a expressão multas no plural".

Convém observar, ainda que também a ótica teleológica aponta que a multa punitiva foi excluída do pagamento condicional e incluída na anistia, pois, como salientado pelo relator, "a finalidade da regra jurídica em pauta foi, certamente, angariar recursos ao Erário (ICMS em seu valor integral, ou seja, devidamente atualizado) ."

Formada minha convicção quanto à matéria em exame, suscitei reexame da mesma no âmbito da Procuradoria Geral do Estado, esforço que culminou na modificação da orientação anterior, conforme decisão proferida pelo Procurador Geral do Estado no processo DRT-1 nº 12378/85. Doravante, dessarte, em relação às dívidas inscritas e/ou ajuizadas, área cuja competência lhe foi conferida pelo artigo 99, VI, da Constituição Estadual, a Procuradoria Geral do Estado passará a adotar a compreensão aqui exposta no tocante ao dispositivo examinado.

Face ao exposto, acompanho o entendimento do ilustre relator, no sentido de que o artigo 5º, inciso I, das Disposições Transitórias da Lei estadual nº 6.374 autoriza, desde que recolhido no prazo fixado o valor corrigido do imposto de circulação de mercadorias, a dispensa de multas de qualquer natureza, inclusive as punitivas.

Sala das Sessões, em 24 de outubro de 1995.

a) Paulo Gonçalves Costa Júnior,
Juiz com Vista

Resumo: O parecer do Juiz José Eduardo Soares de Melo foi sufragado à unanimidade na sessão de 24 de outubro de 1995 das Colendas Câmaras Reunidas do Tribunal de Impostos e Taxas.