AFISCOM

CÂMARAS JULGADORAS
DECISÃO NA ÍNTEGRA


Boletim TIT 290 de 13-04-96

VEÍCULOS NOVOS

- ADQUIRIDOS POR CONTRIBUINTES PAULISTAS EM OPERAÇÕES INTERESTADUAIS PARA COMPOR ATIVO IMOBILIZADO DA EMPRESA
- INDEVIDA A EXIGÊNCIA DA DIFERENÇA DE ALÍQUOTA DO REMETENTE POR FALTA DE AMPARO LEGAL
- PROVIDO O RECURSO
- DECISÃO UNÂNIME.

RELATÓRIO

1. Por força da decisão de fls., que cancelou o 3º item do auto inicial, remanescem para julgamento as seguintes acusações:

a) emitiu, no período de 18.1.90 a 14.10.91, notas fiscais de saídas de veículos novos para integrar o ativo imobilizado de contribuinte localizado em território paulista, sem efetuar a retenção e o recolhimento do imposto devido a este Estado, na condição de contribuinte substituto; e

b) emitiu, no período de 14.10.91 a 12.12.91, notas fiscais de saídas, nas mesmas condições acima, recolhendo a menor o ICMS devido a este Estado.

2. Em sua defesa inicial, o contribuinte alinhou extensas razões doutrinárias a fim de demonstrar a inconstitucionalidade e a ilegalidade da exigência fiscal, das quais destaco, para conhecimento nos nobres pares, aquelas constantes do parágrafo 7º e seguintes, da sua defesa.

3. Com o recurso, limitou-se a protestar contra a não apreciação, pela inferior instância, das razões que apresentara, requerendo a este Tribunal que o faça.

4. O trabalho fiscal foi sustentado pelo seu autor.

5. Ouvindo a Representação Fiscal, encerro este breve relatório e passo ao voto.

V O T O

6. Consoante se vê dos autos, o contribuinte não contestou os valores aqui exigidos pelo fisco, aliás, todos eles extraídos concretamente dos documentos acostados. Ateve-se, com muito brilho, a sustentar a inconstitucionalidade e a ilegalidade dos preceitos que fundamentam a exigência fazendária.

7. Ao mesmo tempo, o próprio contribuinte reconhece no parágrafo 6º, 2ª parte, da sua defesa, que o órgão administrativo carece de competência para apreciar argüição de inconstitucionalidade. E assim é, realmente. A norma inserta nos arts. 171 e seguintes do Regulamento aprovado pelo Dec. n. 17.727/81 tem supedâneo no Convênio n. 107/89 e alterações posteriores. Com base neles encetou-se a presente cobrança, a qual deve persistir.

8. Assim, tenho por válidos os itens 1 e 2 do auto, nego provimento ao recurso.

Sala das Sessões, em 25 de fevereiro de 1993.

a) Antonio Carlos Grimaldi, Relator.

VOTO EM SEPARADO

1. Das imputações feitas ao recorrente, cancelada aquela objeto do item 3 do AIIM, por força do art. 9º da Lei n. 7.646/91, subsidem as do item 1 e 2. A primeira diz respeito ao não recolhimento do imposto e a segunda trata de recolhimento a menor do que o devido, tudo em razão da chamada "substituição tributária interestadual".

2. A recorrente é empresa sediada em Poços de Caldas, MG, e tem como atividade o comércio de veículos, peças e acessórios. Nessa qualidade, vendeu a compradores deste Estado, em sua maioria empresas de transporte de passageiros, diversos ônibus também de procedência paulista, da marca Mercedes-Benz.

3. O auto inicial carrega à responsabilidade da recorrente o pagamento do imposto por suposto devido mercê da substituição tributária, de que trata o Convênio n. 107/89.

4. O Relator nega provimento ao recurso escudado na consideração de que os valores apontados pelo fisco não foram impugnados pela autuada e que a exigência teria respaldo no Convênio n. 107/89. Além disso, este Tribunal, como órgão administrativo, "carece de competência para apreciar argüição de inconstitucionalidade", como em última análise resultaria do recurso ordinário interposto.

5. Tenho minhas dúvidas quanto a esta última afirmação. O que a este Tribunal não é dado, como de resto a quase totalidade das demais Cortes também não pode, é declarar a inconstitucionalidade de determinada lei, uma vez que essa tarefa cabe com exclusividade ao Supremo Tribunal Federal, guardião máximo da Carta Magna, através do controle concentrado da constitucionalidade.

6. Mas não lhe seria defeso, como não o é para os Tribunais não constitucionais, negar a aplicação de lei viciada por inconstitucionalidade a um determinado caso concreto.

7. Afinal, como adverte Francisco Campos, "Um ato ou uma lei inconstitucional é um ato ou uma lei inexistente; uma lei inconstitucional é uma lei aparente, pois que, de fato ou na realidade, não o é. O ato ou lei inconstitucional nenhum efeito produz, pois que inexiste de direito ou é para o Direito como se nunca tivesse existido" ("Direito Constitucional", Freitas Bastos, RJ, 1956, vol. 1/430).

8. Em sentido análogo manifestaram-se também Buzaid ("Da Ação Direta de Declaração de Inconstitucionalidade", Saraiva, SP, 1958, pág. 128) e, de longa data, Ruy Barbosa ("A Constituição e os Atos Inconstitucionais", Atlântida Ed., RJ, 2ª Ed., pág. 49), para os quais as leis inconstitucionais são absolutamente nulas.

9. É bem verdade que essa posição encontra opositores de nomeada. Themistocles Brandão Cavalcanti, p. ex., entende que a declaração de inconstitucionalidade não é dotada de eficácia tão drástica, a ponto de se considerar inexistente a lei inconstitucional ("Do Controle da Constitucionalidade", Forense, RJ, 1968, págs. 169/170). Da mesma forma José Afonso da Silva, "Curso de Direito Constitucional Positivo", Malheiros Ed., SP, 1992, pág. 53).

10. Mas essa posição restritiva não encontrou eco no Judiciário, onde, p. ex., decidiu o STF: "Sendo inconstitucional, a regra jurídica é nula. Não incidindo sobre o fato, nela, visto ou previsto, não há fato jurídico e, via lógica de conseqüência, o fato não produz qualquer efeito jurídico" (RE n. 93.173/SP, DJU de 8.8.82, pág. 7350). E mais, o Poder Executivo não é obrigado a observar leis que considere inconstitucionais, podendo negar-lhe o cumprimento (STF, RDA 97/116; TJ/SP, RT 407/131).

11. Por conseguinte, não vejo grandes obstáculos na apreciação, por Tribunais administrativos, de eventual argüição de inconstitucionalidade.

12. Seja como for, quero crer que a invalidade da exigência inicial, que a todas as luzes e desenganadamente, atenta contra o princípio da legalidade, possa ser demonstrada por razões fundadas na legislação infraconstitucional, com o que estaria superada a restrição alegada pelo douto Relator.

13. Na verdade, como anotou com acuidade Victor Uckmar, é dispensável que o princípio da legalidade venha expresso em norma constitucional, porque, nessa omissão, ele poderia ainda ser deduzido, fazendo-o com a seguinte observação: "Todas as Constituições vigentes (...) afirmam explicitamente que os impostos devem ser aprovados pelos órgãos legislativos competentes, preceito que, pelo menos nos Estados de Direito, não seria nem mesmo necessário não existindo - como frisou Allorio - por força de uma regra geral, dentre os poderes da Administração Pública, o de modificar o direito vigente" (Princípios Comuns de Direito Constitucional Tributário", trad. de Marco Aurélio Greco, co-ed. EDUC/Ed. Revista dos Tribunais, SP, 1976, pág. 25).

14. Destarte, para se ter e haver o auto vestibular como legal, basta atentar para o fato de que o Convênio n. 107/89, no qual se apóia, e por extensão as normas regulamentares nele referidas, estão em total descompasso com a legislação complementar e mesmo com a Lei n. 6.374/89, que instituiu o ICMS no Estado de São Paulo.

15. Para demonstrar essa circunstância, afastando-me da Constituição, começo por lembrar que o princípio da legalidade está também encartado no art. 97 do CTN, ao dispor que somente a lei pode estabelecer ("inter alia") "a definição do fato gerador da obrigação principal (...) e do seu sujeito passivo".

16. Peço desculpas aos nobres pares por referir essa norma, que é sobejamente conhecida. Mas isto é necessário, não só para efeito de exposição, como também porque o fisco invariavelmente a ignora.

17. Nos últimos anos, enquanto as demais Nações prosseguem céleres na rota do progresso, o Brasil regride a olhos vistos. Basta ver o estágio em que se encontra atualmente a saúde pública e também a educação, relegadas a um plano de miserabilidade.

18. O direito, fatalmente, não teria como escapar desse quadro dramático. Afinal, como assinalou Jayme de Altavila, o Direito não é bom, nem é mau, "ele é o espírito ático de Solon ou a alma acanhada de Dracon, traduzindo os merecimentos de suas épocas" ("Origem dos Direitos dos Povos", Melhoramentos, SP, 2ª ed., pág. 9). E, mais pessimista, Becker vaticinou: "Cada ano é ano de naufrágio fiscal. Os náufragos, só anos depois é que saberão que morreram afogados no mar de sargaços das leis fiscais. (...) O auto de infração será o atestado do óbito ocorrido anos atrás" ( ""Carnaval Tributário", Saraiva, SP, 1989, pág. 7).

19. Certamente, no plano da tributação estadual, nada é hoje mais precário do que a segurança jurídica dos contribuintes, em razão da multiplicidade de convênios, decretos, portarias e diplomas outros, de redação torturada, sentido ambígüo e legalidade duvidosa.

20. Os Estados, num "faz de conta" pervertido, editam as suas leis tributárias, mas a regência efetiva dos tributos, notadamente no que concerne às obrigações principal e acessórias, dá-se, a rigor, pela disciplina baixada por decretos. E estes se abeberam em acertos e ajustes de natureza convenial, onde o que menos importa é o aspecto da legalidade. A Lei é apenas um anteparo, um disfarce. As suas costas e, não raro, em aberto confronto com o seu regramento, medram os dispositivos das convenções estaduais, postos no sentido apenas de fortalecimento da receita, para um Estado cada vez mais impositivo, ainda que a custa do ilegítimo, do injusto, do ilegal e do iníquo.

21. Entre os publicistas de vanguarda - Diz Sacha Calmon Navarro Coêlho - "A essentialia do conceito de segurança jurídica residiria na possibilidade de previsão objetiva, por parte dos particulares, de suas situações jurídicas. A meta da segurança jurídica seria então assegurar aos cidadãos uma expectativa precisa de seus direitos e deveres em face da lei. Tal como posta, a segurança jurídica abomina a casuística dos regulamentos e a incerteza proteiforme das portarias e demais atos da administração. Dado que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa a não ser em virtude de lei, a segurança jurídica a que faz jus o contribuinte entronca diretamente com a tese ou princípio da proteção da confiança" ("O Controle da Constitucionalidade das Leis e do Poder de Tributar na Constituição de 1988", Del Rey Edit., Belo Horizonte, 1992, pág. 326).

22. O Convênio n. 107/89 é bem um exemplo do quanto se disse, mas não o único. Por ele se estabeleceu a chamada "substituição tributária interestadual", nas operações com veículos.

23. A primeira indagação que se põe, diz respeito à sua base jurídica. Não será certamente o CTN, cujo art. 199 prevê a possibilidade de convênios entre as diversas Fazendas unicamente para a assistência mútua na fiscalização dos tributos respectivos e para a troca de informações. Não abrange, portanto, a possibilidade de convênio para a fixação da responsabilidade pela obrigação principal, que a tanto equivale a definição de um substituto legal tributário.

24. Da mesma forma, esse substrato não estará na Lei Complementar n. 24/75, que de seu turno também não cuida da sujeição passiva indireta, tratando unicamente da concessão e revogação de isenções e de figuras que lhes sejam assemelhadas pela identidade de resultado (redução de base de cálculo; créditos presumidos, devolução de tributos, etc.).

25. A resposta a essa interrogação, em princípio, poderia estar no parágrafo 4º, do art. 6º, do Dec.-lei n. 406/68, redação dada pela Lei Complementar n. 44/83.

26. Como se sabe, a Lei Complementar n. 44/83 acresceu ao Dec.-lei n. 406/68 (art. 6º), vários dispositivos. Entre eles, a possibilidade da lei estadual estabelecer uma série de casos de sujeição passiva indireta (parágrafo 3º). Dispôs ainda, em se tratando de operações interestaduais, que, "Caso o responsável e o contribuinte substituído estejam estabelecidos em Estados diversos, a substituição dependeria de convênio entre os Estados interessados" (parágrafo 4º).

27. Na hipótese versada nos autos, a exigência está sendo feita à recorrente por se tê-la como responsável, por substituição, pelo imposto devido pelos compradores paulistas em razão da imobilização dos veículos adquiridos.

28. Trata-se, como se vê, do tributo devido mercê da nova hipótese de incidência para o ICMS decorrente da diferença de alíquotas nas operações interestaduais (CF, art. 155, parágrafo 2º, inc. VII, alíneas "a" e "b" e inc. VIII; Lei n. 6.374/89, art. 2º, VII, e parágrafo 6º).

29. Por óbvio, a substituição tributária "interestadual" de que cuida o parágrafo 4º do DL n. 406/68, redação dada pela LC n. 44/83, só terá ensejo nos casos de responsabilidade expressamente previstos no seu parágrafo 3º. Ou por outras palavras, a substituição tributária, em operações internas ou interestaduais, só pode ser estabelecida nas hipóteses literalmente especificadas no parágrafo 3º, art. 6º, do DL n. 406/68, redação dada pela LC n. 44/83. Fora desses casos, portanto, não pode haver responsabilidade por substituição, à míngüa de outorga adequada da legislação complementar.

30. Assim, na espécie vertente, importa verificar se o imposto devido por contribuinte paulista (ou de qualquer outro Estado), em virtude da diferença de alíquotas nas operações interestaduais, nas aquisições de bens destinados a consumo ou ao ativo fixo, pode sujeitar-se ao regime da substituição tributária.

31. Transcrevo, para maior clareza, o teor do parágrafo 3º, do art. 6º, do DL n. 406/68:

"Art. 6º - .....................................................................................................

Parágrafo 3º - A lei estadual pode atribuir a condição de responsável:

a) ao industrial, comerciante ou outra categoria de contribuinte, quanto ao imposto devido na operação ou operações anteriores promovidas com a mercadoria ou seus insumos;

b) ao produtor, industrial ou comerciante atacadista quanto ao imposto devido pelo comerciante varejista;

c) ao produtor ou industrial, quanto ao imposto devido pelo comerciante atacadista e pelo comerciante varejista;

d) aos transportadores, depositários e demais encarregados da guarda ou comercialização de mercadorias."

32. Basta a simples leitura desse dispositivo para se ter como exato que a sujeição passiva que se quer impor à recorrente não se enquadra em nenhuma das alíneas acima reproduzidas.

33. A da alínea "a", porque ela se reporta ao imposto devido pelas operações anteriores e a imobilização dos veículos é naturalmente uma operação posterior; a da alínea "b", porque ela se refere a imposto devido por comerciante varejista, o que presume comércio de mercadorias, e os compradores no caso, em sua totalidade, são empresas de transporte de passageiros; c) a da alínea "c", porque menciona como responsáveis o produtor e o industrial, e a recorrente não reveste nenhuma dessas qualidades, por ser atacadista; d) finalmente, a da alínea "d", que é pertinente aos transportadores, depositários e congêneres, sem qualquer identificação, pois, com a recorrente.

34. Dir-se-á, contudo, que essa responsabilidade não deriva dos permissivos constantes DL n. 406/68 (art. 6º, parágrafo 3º), mas do art. 121, parágrafo único, inc. II e art. 128, ambos do CTN.

35. Mas é bem de ver, no entanto, que o CTN não prevê casos de atribuição de responsabilidade por convênios, os quais têm a aplicação restrita estampada no seu art. 199. Além disso, só admite a sujeição passiva indireta quando expressamente prevista em lei, o que obviamente afasta essa responsabilidade decorrente de simples "arranjos administrativos", que é como Baleeiro define os convênios ("Direito Tributário Brasileiro", Forense, RJ, 9ª ed., pág. 378).

36. Poder-se-ia objetar, ainda, que o Convênio n. 107/89 tem fundamento no art. 25 e seu parágrafo único do Convênio n. 66/88, aliás citado expressamente em seu preâmbulo.

37. Transcrevo, para maior compreensão, o dispositivo antes citado:

"Art. 25 - A lei poderá atribuir a condição de substituto tributário a:

I - industrial, comerciante ou outra categoria de contribuinte, pelo pagamento do imposto devido na operação ou operações anteriores;

II - produtor, extrator, gerador, inclusive de energia, industrial, comerciante ou transportador, pelo imposto devido nas operações subseqüentes;

III - o depositário a qualquer título, em relação à mercadoria depositada por contribuinte;

IV - o contratante de serviço ou terceiro que participe da prestação de serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e de comunicação.

Parágrafo Único - Caso o responsável e o contribuinte estejam situados em Estados diversos, a substituição dependerá de acordo entre estes."

38. Como se vê esse dispositivo repete em suas linhas gerais as mesmas disposições constantes do parágrafo 3º, art. 6º, do DL n. 406/78, redação dada pela LC n. 44/83 e incorreria, por isso, nas mesmas restrições antes feitas.

39. É possível, sem embargo dessa semelhança, objetar que existiriam diferenças mínimas capazes de justificar agora a substituição tributária pretendida. Assim, o inc. II do art. 25 retro transcrito, falando na sujeição passiva do comerciante, em relação às "subseqüentes operações", legitimaria a exigência fazendária, tal como feita na inicial.

40. Mas não é exato como se verá.

41. Primeiro, porque o inciso mencionado, referindo-se à "operações", implicitamente está a reportar-se a mercadorias, até porque o ICMS é imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicações. A evidência a imobilização não é operação relativa à circulação de mercadorias porque, de resto, bem do ativo fixo sequer é mercadoria.

42. Em segundo, porque a delegação estabelecida pelo art. 34, parágrafo 8º, das DDTT da Constituição Federal, apenas autorizava os Estados a firmar convênio e a legislar relativamente à matéria nova, de índole tributária, decorrente da Carta Magna recém promulgada. Mas não lhes facultava, por evidente, rever todo o sistema tributário estadual, como se deu com o Convênio n. 66/88, na parte da sujeição passiva, porque esta já estava disciplinada por diploma de natureza complementar, qual seja o Dec.-lei n. 406/68, recepcionado pela nova ordem constitucional. Em suma, a outorga dada pela Constituição era exclusivamente em relação à matéria até então fora da competência impositiva dos Estados e em função das quais as respectivas legislações eram omissas, conforme assinalado por Alcides Jorge Costa: "A luz das considerações antes feitas, é patente ser insustentável a posição dos Estados, o que torna o Convênio ICM n. 66/88 inconstitucional na sua quase totalidade. Já foi dito que havia um corpo de normas gerais concernentes ao ICM. Trata-se do Dec.-lei n. 406/68, que cuida do fato gerador, da base de cálculo, da compensação como forma de concretizar o princípio da não-cumulatividade, da definição dos sujeitos passivos. Portanto, o Convênio não poderia, como não pode cuidar da mesma matéria, como faz, dedicando um capítulo ao fato gerador, outro à base de cálculo, ou outro à sujeição passiva, um capítulo ao lugar da operação e um último à compensação. Pode - como de fato fez - tratar do fato gerador, do sujeito passivo, base de cálculo, lugar do fato gerador, no tocante ao imposto sobre a prestação de serviços de transporte interestaduais e intermunicipais" ("ICM - Tributação de Produtos Semi-elaborados", "in", RDT 47/67).

43 Da mesma forma Pinto Ferreira: "É essa a razão pela qual o Convênio n. 66/88 e demais convênios posteriores, celebrados pelos Estados, são inconstitucionais. O Dec.-lei n. 406/68, com força de lei complementar, não pode ser alterado pelos secretários de Fazenda do Estado, visto que o art. 34, parágrafo 8º, do ADCT refere-se à instituição do imposto, a que alude o art. 155, I, "b" da CF (ICMS), e nunca à modificação do imposto instituído" ("Comentários à Constituição Brasileira, Saraiva, SP, 1992, vol. 5/467).

44. A jurisprudência dos Tribunais Superiores consagrou esse entendimento, reconhecendo a invalidade do Convênio n. 66/88 e a subsistência do Dec.-lei n. 406/68: "ICM - Exigibilidade antecipada - Convênio n. 66/88. Não editada a Lei Complementar necessária à instituição do ICMS, prevalecem as disposições contidas no Dec.-lei n. 406/68, recepcionado pela vigente Constituição Federal. Os Estados e o Distrito Federal, mediante convênios, só poderão fixar normas para regular provisoriamente a matéria nas lacunas existentes e sobre os dispositivos da lei complementar não recepcionados. Não prevalece, portanto, a exigência do recolhimento do ICM por ocasião do desembaraço aduaneiro introduzido pelo Convênio n. 66/88 (RE n. 14.410/RJ, DJU de 16.12.91, pág. 18.507).

45. Confira-se ainda, no mesmo sentido: RE n. 19.604-0/RJ, DJU de 3.8.92, pág. 11.282; RE n. 19.570-0/RJ, DJU de 3.8.92, pág. 11.281; RE n. 23.628-2/SP, DJU de 21.9.92, pág. 15.678; RE n. 7.582/RJ, DJU de 27.5.91, pág. 6.948; etc.

46. Em terceiro, porque, frente à nova ordem constitucional, é condição de validade das disposições conveniais que sejam elas ratificadas pelas Assembléias Legislativas dos Estados. E essa ratificação não se deu, quer em relação ao Convênio n. 66/88, quer em relação ao Convênio n. 107/89, do que decorre a total invalidade de ambos os diplomas.

47. No regime da Constituição de 1967, com a Emenda n. 1, de 1969, era controvertida a necessidade de serem os convênios, após celebrados, submetidos ao referendo do Legislativo. O parágrafo 6º do art. 23 da CF/67 dispunha que os convênios seriam "celebrados e ratificados pelos Estados", sem definir a competência para essa ratificação. Mas esta, por razões óbvias que se derramam do princípio da legalidade, somente poderia ser da alçada do Poder Legislativo.

48. As administrações estaduais, aferradas ao art. 4º da Lei Complementar n. 24/75, dispondo que os convênios seriam ratificados pelo Poder Executivo - numa desenganada inconstitucionalidade - sempre acharam dispensável o concurso do Legislativo. As isenções, reduções de base de cálculo, créditos presumidos, etc., acabavam assim sendo objeto apenas de decretos, ratificadores e de execução.

49. Essa posição nunca chegou a ser examinada pelo Judiciário, à míngüa de provocação dos contribuintes. E isto por evidente falta de interesse, uma vez que as disposições conveniais, àquela ocasião, eram restritas à concessão de benefícios e favores fiscais e não utilizadas, como hoje, para o estabelecimento de gravames e responsabilidades.

50. Inobstante, a doutrina sempre foi unânime em reconhecer a necessidade de ser o convênio aprovado pelo Legislativo. Daí dizer Alberto Xavier: "Deve porém acrescentar-se que se os convênios não estão subordinados hierarquicamente à legislação estadual, a sua eficácia plena depende da ratificação pelo Poder Legislativo, sem o que não estará preenchida a exigência do princípio da legalidade" ("Os Princípios da Legalidade e da Tipicidade da Tributação", Ed. Revista dos Tribunais, SP, 1978, pág. 35).

51. Nesse sentido manifestaram-se ainda: Alcides Jorge Costa, "ICM na Constituição e na Lei Complementar", Ed. Resenha Tributária, SP, 1978, pág. 130; Luiz Mélega, "Convênios Destinados a Estabelecer Isenções, Reduções e outros Favores Fiscais relativos ao ICM", "in", "Estudos Tributários", Ed. Resenha Tributária, SP, 1974, pág. 414; José Souto Maior Borges, "Lei Complementar Tributária", Ed. Revista dos Tribunais, SP, 1975, pág. 173; Diniz Ferreira da Cruz, "Lei Complementar em Matéria Tributária", J. Bushatsky, Editor, SP, 1978, pág. 128-9; Baleeiro, "Direito Tributário Brasileiro" cit., pág. 378; Geraldo Ataliba, "Convênios Estaduais e ICM", artigo publicado no jornal "O Estado de São Paulo", ed. de 25.6.72, pág. 44; etc.

52. Com a constituição de 1988 essa situação não se alterou, ao contrário, mais se reforça como bem analisado por Sacha Calmon Navarro Coêlho:

53. "Convênio é acordo, ajuste, combinação e programa de reunião de Estados-membros. A esta comparecem representantes de cada Estado, indicados pelo chefe do Executivo das unidades federadas. Não é, assim, o representante do povo do Estado que se faz presente na Assembléia, mas preposto do executivo, via de regra um Secretário de Estado, usualmente o da Fazenda ou das Finanças. Nestas assembléias são gestados os convênios, ou melhor, as "propostas" de convênios. Na verdade o conteúdo dos convênios só passa a valer depois que as Assembléias Legislativas - casas onde se faz representar o povo dos Estados - ratificam os convênios prefirmados nas assembléias dos Estados membros."

54. Com efeito, não poderia um mero preposto do chefe do Executivo estadual exercer competência tributária exonerativa. Esta é do ente político, não é do Executivo, nem do seu chefe, muito menos do preposto, destituível "ad nutum".

55. O princípio da legalidade da tributação e da exoneração (...), abarca por inteiro a disciplina do tributo e dos seus elementos estruturais. Sendo a isenção, a fixação das bases de cálculo e das alíquotas, a não cumulatividade, a remissão, a concessão de créditos fiscais e sua manutenção matérias sob reserva de lei, como admitir que mero secretário de Governo, agente do Poder Executivo, capaz só de praticar atos administrativos, possa pôr, tirar, restabelecer, graduar, reduzir ou aumentar a tributação.

56. Caso isso fosse possível, derrogado estaria o princípio da legalidade e vulnerado a arquiprincípio da separação de Poderes, pressupostos da República e do Estado de Direito" ("Comentários à Constituição de 1988 - Sistema Tributário", Forense, RJ, 1990, pág. 291).

57. Dentro desta mesma linha manifestaram-se ainda Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra Martins, "Comentários à Constituição do Brasil", Saraiva, SP, 1990, vol. 6, tomo I/515, nota 4.

58. Assim, repete-se, como o Convênio n. 107/89 não foi ratificado nem pela Assembléia paulista, nem pela sua congênere de Minas Gerais, segue-se que a sua eficácia é nenhuma como de resto não tem valia alguma os preceitos regulamentares que inspiraram, uma vez que não se pode extrair qualquer efeito válido do que é intrinsecamente inválido.

59. Em quarto, e ainda que assim não fosse, a questão não se alteraria. Realmente, ainda que se admita que a ratificação pelo Legislativo fosse dispensável, por certo as disposições do Convênio n. 107/89 não poderiam ser veiculadas, no Direito local, através de simples normas regulamentares. É que na dicção do art. 25 do Convênio n. 66/88, onde por suposto o Convênio n. 107/89 busca amparo, somente a Lei pode dispor sobre a substituição tributária. "A Lei poderá atribuir a condição de substituto tributário (...)", diz o art. 25 referido. Veja-se bem, a Lei e não o Decreto. Trata-se aqui também de uma manifestação do princípio da legalidade. E como não foi editada qualquer lei para definir essa responsabilidade, a conclusão é que os artigos regulamentares citados na inicial e editados para essa empreitada, são absolutamente ilegais.

60. Ora, como preleciona o Prof. Roque Antonio Carrazza, "Em função do princípio da legalidade, as autoridades fazendárias têm o dever de lançar e arrecadar tributos, somente na medida e nos casos prescritos nas leis. Apenas à lei - e, não ao fisco - está reservado interferir na liberdade, na propriedade e nos demais direitos dos contribuintes, bem como impor-lhes deveres, exigindo-lhes um fazer concreto, um suportar ou um omitir" ("Curso de Direito Constitucional Tributário", Ed. Revista dos Tribunais, SP, 1991, pág. 149).

61. Acrescente-se, para constar, que os artigos regulamentares tidos como infringidos pelo auto vestibular, para o seu amparo legal, fazem remissão ao art. 8º, XIII, da Lei n. 6.374/89. Mas é bem de ver que esse dispositivo vale para contribuintes paulistas, até porque integrante de um diploma legal baixado para instituir o ICMS neste Estado. Direito local, portanto, regendo operações internas. Para vincular sujeito passivo de outra unidade da Federação, seria necessária lei específica, insuficiente o Convênio por si só, pelas razões já demonstradas.

62. Na verdade a questão deveria ser resolvida de uma forma simples. A entrada de bens destinados ao ativo fixo, hoje, é fato gerador do imposto, quando tenham sido eles adquiridos de vendedor de outro Estado (Lei n. 6.374/89, art. 2º, VII). O adquirente, nessas condições, é contribuinte do imposto (Lei n. 6.374/89, art. 7º, parágrafo 1º, n. 12), cabendo-lhe pagá-lo pelo montante correspondente à diferença de alíquotas (Lei n. 6.374/89, art. 2º, parágrafo 6º). Não há como preterir essas regras, que são de lei, em favor de normas regulamentares, em razão da inferior hierarquia do decreto.

63. Na hipótese dos autos, portanto, o tributo deveria ser exigido dos destinatários paulistas e não do remetente mineiro.

64. Pelo exposto, entendo inadmissível a cobrança de imposto com base em singela norma regulamentar, agindo acima de suas forças. Impostergável, na espécie, que a exigência fiscal se fizesse com amparo de lei, no caso inexistente. Por esse último motivo, a obrigação, na verdade, se fixa na pessoa do destinatário paulista (Lei n. 6.374/89, art. 2º, parágrafo 6º, c.c. art. 7º, parágrafo 1º, n. 12), com o que fica arredada a responsabilidade da recorrente.

65. Nestas condições, com a devida vênia do douto Relator, dou provimento ao recurso para julgar a ação fiscal improcedente.

Sala das Sessões, em 1º de abril de 1993.

a) Luiz Fernando de Carvalho Accacio, juiz com vista.

COMPLEMENTO DE VOTO

Atento à sábia lição contida no brilhante voto do ilustre Juiz Luiz Fernando de Carvalho Accacio, reformulo o voto que proferi para acompanhar o Dr. Luiz Fernando.

Sala das Sessões, em 1º de abril de 1993.

a) Antonio Carlos Grimaldi, Relator.


RESUMO DA DECISÃO: recurso ordinário. Provido. Decisão unânime. 1ª Câmara. Proc. DRT-1 n° 10267/92.