AFISCOM

CÂMARAS JULGADORAS
DECISÃO NA ÍNTEGRA


Boletim TIT 289 de 09-12-95 - DOE de 09-12 -95.

INSTITUIÇÃO FINANCEIRA

- REALIZAÇÃO DE IMPORTAÇÃO NA QUALIDADE DE CONSIGNATÁRIA
- CARACTERIZADA RESPONSABILIDADE ORIGINÁRIA PELO IMPOSTO REFERENTE À OPERAÇÃO
- NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO
- DECISÃO UNÂNIME.

R E L A T Ó R I O

1. Trata-se de recurso ordinário, interposto em face de decisão que, concluindo pela procedência do auto de infração, manteve as exigências feitas a título de imposto e multa, esta aplicada nos termos do art. 492, inc. I, alínea "f", do Regulamento do ICM aprovado pelo Dec. n. 17.727/81.


2. Por infringido foram dados os arts. 1, inc. II e 71, inc. I do mesmo Regulamento. Pelo relato constante do auto, o contribuinte deixou de recolher o ICM na importação de rolamentos e de rolos cônicos, na qualidade de "liberador das mercadorias conforme decisão judicial (mandados do segurança) e proprietário de direito e de posse, por não pagamento de dívida da importadora (falida) e antes endossante a favor do autuado dos direitos sobre as mercadorias."

3. Em suas razões de recurso, o contribuinte diz que é nula a decisão recorrida, por não ter fundamentado "legal e juridicamente as razões do indeferimento", não tomando conhecimento da "relevância dos argumentos apresentados na impugnação" que fez. Quanto ao mérito, diz que a própria Secretaria da Fazenda havia reconhecido sua qualidade de "simples consignatário" e que portanto "não era o contribuinte do imposto questionado, chegando, inclusive, ao extremo de agradecer a colaboração que lhe foi prestada pelo recorrente", em ofício anterior à autuação. Afirmando que a verdadeira importadora das mercadorias é a firma, falida, qualifica de absurda e ilegal a autuação. Diz que, de acordo com as leis mercantis, somente ele, como consignatário, poderia desembaraçar as mercadorias, o que não implica transformá-lo em proprietário ou contribuinte do imposto e que, "tão logo desembaraçou as mercadorias, foram as mesmas entregues à verdadeira importadora, na pessoa de seu proprietário, conforme documento de 28.4.86", acrescentando que as mercadorias sequer passaram por suas mãos, "saindo diretamente da despachante para a real importadora e eventual contribuinte do imposto". Admitindo, "por absurdo e tão somente para argumentar", que ele, recorrente, tivesse se tornado proprietário das mercadorias, afirma que ainda assim não seria devido o imposto e isso por uma razão muito simples: "Banco não é contribuinte do ICM e não paga esse imposto na venda de bens do seu ativo, fixo, variável, permanente ou imobilizado". Diz que esse é o entendimento da Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo, conforme noticiado no jornal "Gazeta Mercantil" de 12.1.89, enquadrando as instituições bancárias como simples particulares, que se desfazem de seus bens pessoais, sem qualquer habitualidade.

4. 0 autuante afirma que a Fazenda Estadual está sendo lesado em seus direitos, pois, enquanto os impostos federais foram pagos na alfândega, antes da saída das mercadorias importadas, o autuado impetrou mandado de segurança objetivando proceder o desembaraço sem o recolhimento do ICM, conseguindo seu intento, para depois descumprir o expresso pelo próprio Poder Judiciário, a propósito de ser o tributo devido quando da entrada das mercadoria no estabelecimento. Diz que o processo de importação teve inicio em 1981 e que a "parte burocrática", na Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil - CACEX, ficou concluída em 1982, com a transferência da consignação a favor do autuado, o qual passou a ter condição legal para desembaraçar as mercadorias, fato que veio a ocorrer em 1986, sem o pagamento do tributo estadual, por força de medida judicial. Diz que a autuação sucedeu em 1988 e que até a presente data o autuado tenta não pagar o tributo que é devido, usando "subterfúgios jurídicos e tergiversação filosófica", acrescentando que a jurisprudência e o entendimento fazendário que menciona no recurso nada têm a ver com a lide, por se referirem a venda de ativo.

5. Neste ponto, interrompo o presente relatório, abrindo oportunidade para a manifestação da ilustre Representação Fiscal.

6. Dando por concluído o relatório, passo a proferir meu voto.

V O T O

7. De início, afasto a preliminar levantada pelo contribuinte, por não reconhecer nulidade na decisão recorrida, a qual em extenso relatório alinhou todos os argumentos deduzidos pelas partes, demonstrando tê-los conhecido e sopesado devidamente para chegar ao juízo de valor contido na parte decisória, a qual, embora sintética, deixa expresso que a conclusão decorre de ter o exame dos documentos trazidos ao auto levado à constatação de estar caracterizada a infração apontada e correto o auto de infração lavrado. A não maior relevância à matéria jurídica no caso deve ser reflexo do que sucede com os argumentos apresentados, quase todos presos mais a questões fáticas, ficando implícita na decisão recorrida a rejeição da tese de que as instituições bancárias não se revestem nunca da condição de contribuinte do imposto sobre a circulação de mercadorias, inimportando a natureza dos atos que pratiquem.

8. Quanto a questão de fundo, o exame dos autos faz ver que as Guias de Importação concedidas inicialmente a empresa importadora tiveram seus efeitos transferidos para o autuado, em 18.5.82, por termo lavrado no verso dos conhecimentos de Transporte Marítimo, nomeando consignatária essa instituição bancária, o que se refletiu em alterações no mesmo sentido nas Guias de Importação e fez com que as correspondentes Declarações de Importação fossem expedidas em nome dessa instituição bancária.

9. O Código Comercial, em seu artigo 119, incluiu os banqueiros na categoria de comerciantes. Todavia, enquanto restritos às operações financeiras, creditícias e outras próprias da atividade bancária, sem que por conta própria e em seu próprio nome realizem operações de circulação de mercadorias, entendidas como tal as que as impulsionam da fonte de produção em direção ao consumo, não são as organizações bancárias contribuintes do imposto estadual. Esta afirmativa tem por pressuposto que o conceito de comerciante é mais amplo para lei comercial do que para a legislação do referido tributo.

10. No caso dos autos, o Banco como consignatário retirou as mercadorias da alfândega.

11. Cabe aqui a lição primorosa, como sempre, de Amilcar de Araújo Falcão:

"Entende-se por consignação mercantil o contrato pelo qual uma pessoa - consignador ou consignante -; entrega a outra - consignatário, mercadorias, a fim de que esta última as venda por conta própria e em seu próprio nome, prestando o consignatário ao consignante o preço entre ambos ajustado para a operação, qualquer que seja o valor alcançado pela venda feita a terceiros.

Difere a consignação mercantil, essencialmente, do mandato e de comissão mercantil. Difere do primeiro, porque, enquanto o mandatário age em nome do mandante, o consignatário age em seu próprio nome. Difere de ambos - mandato e comissão -, porque, enquanto mandatário e comissário agem por conta, respectivamente, do mandante e do comitente, o consignatário age por conta própria.

Temos, esquematicamente, três situações:

- no mandato mercantil - atuação em nome alheio e por conta alheia;
- na comissão mercantil - atuação no próprio nome mas por conta alheia;
- na consignação mercantil - atuação no próprio nome e por conta própria."

12. No caso dos autos, o Banco, agindo em nome próprio e por própria conta, retirou as mercadorias da alfândega.

13. 0 consignatário não é o proprietário das mercadorias, como frisa o autuado. 0 proprietário das mercadorias originalmente era a importadora. Há notícia nos autos sobre a falência dessa firma e pesquisa feita confirmou que em decorrência da quebra ela cessou atividades em 3 de julho de 1985. 0 desembaraço das mercadorias importadas ocorreu em 1986. Falida a importadora, só o consignatário poderia desembaraçar as mercadorias, como frisa o autuado. As mercadorias desembaraçadas foram entregues à "verdadeira importadora", diz o autuado e como prova trouxe aos autos documento firmado pelo proprietário em 28.4.86. Esse documento constitui a fls. e foi firmado em nome de outra empresa importadora..

14. No caso dos autos, o Banco, agindo em nome próprio e por própria conta retirou da alfândega mercadorias que originalmente pertenciam a empresa falida e as entregou a outra.

15. Em seu magistério, acrescenta Amilcar de Araújo Falcão:

"Em verdade, a distinção não se limita a esses aspectos exteriores ou formais. Há uma maneira de ser íntima, substancial, interior, na consignação mercantil, que lhe dá tipicidade específica. É que nela duas operações de venda transcorreram, quando se completa a operação. No momento em que o consignatário vende a mercadoria a terceiro, automaticamente ele a compra ao consignante".

16. O consignatário não é o proprietário das mercadorias, originalmente, mas adquire essa qualidade no momento em que realiza sua venda. Aliás, enquanto nestes autos o autuado frisa não ser o proprietário das questionadas mercadorias, nos autos do mandado de segurança que impetrou para liberá-las se apresentou como proprietário ao Poder Judiciário (fls. 94: Proc. n. 531/86 da 8a. Vara Federal; fls. 121: Proc. n. 264/86 da 1a. Vara Federal), atitude que valoriza mais conveniências de momento do que institutos jurídicos.

17. No caso dos autos, o autuado, em atividades estranhas às que lhe são próprias, realizou em seu próprio nome e por conta própria operações de circulação de mercadorias, plenamente caracterizadas nos momentos em que recebeu lotes que totalizam mais de 40 toneladas de rolamentos e também quando os repassou a pessoa jurídica diversa da que originalmente aparecia como proprietária.

18. No caso dos autos, o autuado, em atividades estranhas às que lhe são próprias, desembaraça mercadorias que a importadora falida não poderia desembaraçar e as repassa a outra pessoa jurídica que com aquela tem sócio comum, impetrando mandado de segurança para não pagar o tributo estadual incidente, alegando que seria recolhido quando da "entrada no estabelecimento importador", plenamente consciente que na realidade tal não ocorreria. Patente, pois, o dolo específico de fraudar o Erário, de em benefício próprio ou de terceiros lesar os legítimos interesses da Fazenda Estadual, que nada mais são do que os interesses da coletividade.

19. Pelo exposto, meu voto é para negar provimento ao recurso ordinário.

Sala das Sessões, em 29 de julho de 1993.

a) Raphael Moraes Latorre, Relator.

RESUMO DA DECISÃO: recurso ordinário. Negado Provimento. Decisão unânime. 5ª Câmara. Proc. DRT-1 n. 6253/89.